São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2010

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Fóssil pode ser "pai" do gênero humano

Novo hominídeo sul-africano, com 1,9 milhão de anos, seria ancestral de espécies como neandertal e homem moderno

Descoberta aconteceu com ajuda de filho pequeno e cão de pesquisador; cientistas divergem sobre relevância de artigo na revista "Science"


Bret Eloff/Lee Berger/ Universidade do Witwatersrand
Se a interpretação dos cientistas estiver correta, o A.sediba seria o ancestral do gênero Homo - o grupo de criaturas a que pertence a humanidade moderna

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome da nova espécie de hominídeo foi escolhido a dedo: Australopithecus sediba. "Sediba" é "fonte" em sesotho, uma das principais línguas nativas da África do Sul, e resume a interpretação dos descobridores da criatura. Para eles, a espécie é a antecessora direta do gênero humano, o Homo do célebre nome científico Homo sapiens. É, portanto, ancestral de toda pessoa viva hoje.
Na cultura popular, a nova criatura é a que poderia ser chamada de "elo perdido" entre homens e macacos -conceito já abandonado por cientistas. Independentemente do apelido que receber, porém, o A. sediba vai gerar polêmica.
Na disputado campo da paleoantropologia, apontar um fóssil como ancestral da humanidade equivale a mexer num vespeiro. Já há antropólogos contestando os "pais" do A. sediba, liderados por Lee Berger, da Universidade do Witwatersrand (África do Sul).
Disputas à parte, os fósseis de 1,9 milhão de anos -um macho adolescente e uma fêmea adulta- trazem novos dados sobre uma das fases mais importantes e confusas das origens do homem, quando a África estava coalhada de espécies de macacos bípedes, quase todas candidatas a bisavós da humanidade.
Dois desses bichos já conhecidos, o Homo habilis e o Homo rudolfensis, poderiam ser "rebaixados" a australopitecos graças aos novos fósseis, explicou Berger à Folha. "De fato, estamos sugerindo que o A. sediba é um melhor candidato a ancestral do Homo erectus [essa sim, uma espécie que quase todo mundo considera membro da linhagem direta do homem], embora sejamos cuidadosos nessa interpretação. Isso significa que o mais adequado seria colocar o H. habilis no gênero Australopithecus", diz ele.
Dentes pequenos e um quadril mais apropriado a longas caminhadas ou até corridas são a principal pista de que o A. sediba seria ancestral direto do gênero Homo, argumentam os cientistas em artigo na edição de hoje da revista "Science".

De cinema
A descoberta dos fósseis mais parece história de cinema. Berger, seu filho de nove anos, Matthew, e o cão da família, chamado Tau, prospectavam fósseis em cavernas perto de Johannesburgo, região famosa por outros restos mortais de hominídeos. Matthew tropeçou e, ao levantar, tinha nas mãos uma clavícula "humana".
A idade e a anatomia da criatura sugerem que se trata de um descendente do A. africanus, um hominídeo ainda mais antigo que habitou a mesma região entre 3 milhões e 2,4 milhões de anos atrás. "Esse material novo pode muito bem representar uma espécie descendente do A. africanus", diz Bernard Wood, professor de origens humanas da Universidade George Washington (EUA).
Wood, porém, completa o raciocínio com uma ducha de água fria: "Para mim não está claro que ele tenha qualquer razão especial para ser considerado ancestral do Homo".
Outro problema, acrescenta Fred Grine, antropólogo da Universidade Stony Brook (EUA), é a idade. "A espécie é tardia demais [para ser ancestral do gênero Homo]. É pelo menos 300 mil anos mais nova do que a primeira ocorrência do H. habilis na Etiópia."
Por outro lado, John Fleagle, também da Stony Brook, diz que o tempo não é tão importante. "A evolução humana nessa época era tão complexa que não dá para traçar uma árvore genealógica linear. É possível que os "ancestrais" sobrevivessem junto com seus descendentes. Imagine algo como a nova espécie espalhado pela África há 2,5 milhões de anos. Então a parte norte dessa população evolui e se torna o H. habilis. A parte sul pode muito bem não ter mudado muito em 500 mil anos", diz. "É uma descoberta incrível, e temos de dar crédito ao doutor Berger."


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