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Música no espaço
Geometria de
de espaços
retorcidos
revela a lógica
por trás de
composições
simples ou
sofisticadas
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Na última sexta-feira, pela primeira
vez em 127 anos de
história, a prestigiada revista
"Science" abriu espaço para falar de música, um assunto inusitado em meio textos sobre astrofísica e neurofarmacologia.
O estudo musical que passou
numa das peneiras mais seletivas do mundo científico foi escrito por Dmitri Tymoczko,
professor da Universidade de
Princeton (EUA). Em três páginas, ele usa geometria para atacar a a questão que permeia o
trabalhos de todo compositor.
Como encadear bem os acordes e notas numa canção?
A pergunta remete a dois elementos fundamentais da música ocidental: a harmonia, que
trata das seqüências de acordes, e o contraponto, a arte de
conectar harmonias formando
melodias simultâneas. A dificuldade de dominar a interação
entre os dois é que nenhum tipo de representação gráfica
-como uma partitura- permite enxergar diretamente a sutileza dessa interação.
Em busca de uma solução,
Tymoczko recorreu à geometria não-Euclidiana, que lida
com espaços retorcidos, nos
quais existem coisas bizarras
como linhas paralelas tortas. O
estudo o permitiu criar diagramas 3-D de representação musical e enxergar coerência onde
antes só havia mistério. Para
desmistificar a complicação,
ainda criou filmes em que um
sofisticado prelúdio de Chopin
"dança" no espaço (music.
princeton.edu/~dmitri). Em
entrevista à Folha, Tymoczko
fala sobre seu novo trabalho.
FOLHA - Seu estudo delimita o espaço no qual a harmonia se situa. Isso o ajuda a compor ou serve apenas
como ferramenta de análise?
DMITRI TYMOCZKO - Como compositor, acho útil entender os
princípios gerais sobre os quais
a música opera. Todo compositor tem dúzias de truques, cada
um oferece a compreensão de
uma pequena região do espaço
musical. O que é legal sobre os
espaços geométricos é que eles
podem fornecer um mapa de
todos os acordes. De repente,
em vez de olhar para uma pequena porção da paisagem musical, podemos ver ela toda. Isso nos mostra que muitos truques de composição -de Chopin, Wagner, Debussy ou Bill
Evans- na verdade são intimamente ligados. Isso, espero, pode dar a compositores um novo
senso de fluência, uma maior
flexibilidade com a linguagem
musical. Em vez de emprestar
truques de Debussy, podemos
usar princípios gerais sobre os
quais eles operam. Minha visão
sobre análise musical, aliás, é a
de que ela é uma ferramenta
para "roubar" de outros compositores sem ser flagrado.
FOLHA - Alguns músicos acham
que "leis científicas" de composição
vão contra o princípio de criatividade. Isso não pode ser uma barreira
para o diálogo entre arte e ciência?
TYMOCZKO - Concordo que regras são feitas para serem quebradas. Não existe obrigação
em arte. Uma coisa legal sobre
os espaços geométricos que desenvolvi é que eles são bastante
gerais. Em seus limites amplos,
podem ser usados para representar qualquer música, seja
sublime ou ridícula. E eles revelam uma conexão íntima entre harmonia e contraponto,
dois princípios musicais que
eram tidos como relativamente
independentes, mas, ao que parece, são fortemente ligados.
Por causa disso, esses espaços nos permitem usar sentenças como: "Se" você quiser que
sua música tenha certas propriedades, "então" precisa fazer isso. Para mim, "se" e "então" não são regras, mas diretrizes que ajudam a escrever
musica de determinado tipo.
FOLHA - Os padrões que você descrevem se referem apenas a grandes
ramos da música ocidental, como
erudito, jazz e rock?
TYMOCZKO - As noções de harmonia e contraponto são idéias
essencialmente ocidentais, padrões que datam do século 11 e
se estenderam para incluir jazz
e outras formas modernas de
música. Meu estudo cita exemplos de jazz, Wagner, Debussy e
Ligeti, e é possível achar centenas de outros diferentes.
Essas idéias, contudo, não se
aplicam a toda música. Certas
músicas não têm "acordes" no
sentido ocidental do termo.
Boa parte da música asiática e
africana é assim, e muitas canções só têm melodia. Muito do
que se faz em rock também não
possui muito contraponto.
Meus modelos são um pouco
inúteis para esses estilos, mas
às vezes surpreendem. Em rock
é possível ver os mesmos padrões geométricos influenciando o dedilhado de progressões
comuns de acordes de guitarra,
que surgem da mecânica física
do instrumento. E os modelos
podem ser úteis se queremos
refletir sobre padrões africanos
de repetição rítmica -que podem ser modelados como
"acordes" no domínio rítmico.
FOLHA - Seu trabalho se apóia em
uma geometria extremamente sofisticada. É possível descrevê-lo a
um músico não-matemático?
TYMOCZKO - As idéias envolvidas na verdade são muito simples. A matemática fornece termos sofisticados para um conceito natural e intuitivo que,
geometricamente, pode ser
descrito como "ligar pontos" no
espaço. No ano passado, dei palestras sobre esse material para
um público muito variado, e em
geral foi bastante fácil comunicar as idéias básicas envolvidas.
FOLHA - Muitos conceitos musicais
estão ligados a aspectos físicos e psicológicos da audição humana. Os
padrões achados em seu estudo podem ter base neurológica?
TYMOCZKO - Essa questão é o
próximo tema em meu trabalho. Estou elaborando experimentos psicológicos para analisar a relevância que isso tem
para a percepção musical.
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