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Usina polêmica vai a leilão em setembro
Hidrelétrica de Dardanelos, situada em área considerada prioritária para a conservação, ameaça ecoturismo em MT
Estado deu licença prévia
à obra, cujos estudos de
impacto ambiental foram
criticados por especialistas
e contestados por promotor
Fernando Donasci/Folha Imagem
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O salto das Andorinhas, a 15 minutos a pé do centro de Aripuanã, que deve ser afetado pela hidrelétrica; no alto, micos-de-cheiro (gênero Saimiri) atravessam estrada perto do salto de Dardanelos
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A ARIPUANÃ (MT)
Ao mesmo tempo em que
anuncia planos de estimular o
ecoturismo, o governo brasileiro condena à morte uma das
paisagens mais espetaculares
da Amazônia: o conjunto de cachoeiras de Aripuanã, no noroeste de Mato Grosso. O local,
considerado pelo Ministério do
Meio Ambiente área prioritária
para a conservação, deve abrigar uma hidrelétrica cujos estudos ambientais são contestados por especialistas e pelo Ministério Público.
A data da execução já está
marcada: em setembro, se tudo
correr como desejam a estatal
Eletronorte e o governo mato-grossense, a Usina Hidrelétrica
Dardanelos será leiloada pela
Aneel (Agência Nacional de
Energia Elétrica). A licença
prévia do empreendimento foi
aprovada na surdina pela Assembléia Legislativa de Mato
Grosso no dia 23 de maio.
Na melhor das hipóteses, a
hidrelétrica descaracterizará a
paisagem das cachoeiras das
Andorinhas e de Dardanelos,
situadas na periferia da cidade,
nas quais o rio Aripuanã despenca uma centena de metros.
As quedas d'água são um cenário tão impressionante que
valeram a inclusão de Aripuanã
no Proecotur, o programa de
ecoturismo na Amazônia iniciado em 2000. "Se a hidrelétrica sair, lá acabou", sentencia
Allan Milhomens, coordenador
do Proecotur no Ministério do
Meio Ambiente.
Na pior das hipóteses, a usina
de Dardanelos secará as cachoeiras durante parte do ano e
levará o ecossistema local ao
colapso, extingüindo uma espécie de planta aquática que só
existe na zona dos saltos e comunidades de anfíbios que dependem do ciclo natural de
cheias e vazantes do rio.
De quebra, acabará com um
balneário bastante usado pela
população local, o Oásis, e com
uma impressionante colônia de
andorinhões que faz ninho nos
paredões de arenito dos saltos.
Isso para produzir energia cara
e ineficiente, num local a mais
de 500 quilômetros da conexão
com o SIN, o sistema nacional
de transmissão elétrica.
O pior cenário, por incrível
que pareça, é descrito no próprio EIA-Rima (sigla para estudo e relatório de impacto ambiental) da hidrelétrica de Dardanelos, preparado pela Eletronorte e pela construtora Norberto Odebrecht. Dos impactos
descritos no relatório, 52 são
negativos e 7 são positivos.
Duas análises independentes
feitas em 2005, uma por um
grupo de especialistas a pedido
do Ministério Público de Mato
Grosso e outra pela Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente), apontam uma série de
problemas no EIA-Rima. Mesmo considerando que ele "precisa ser complementado", no
entanto, a secretaria estadual
autorizou a concessão da licença prévia à obra.
"A licença prévia pode ser
condicionada ao cumprimento
de certas solicitações. Isso é
normal", defende Luís Henrique Daldegan, secretário-adjunto da Sema.
"A rigor, pode, mas nunca
neste nível", rebate o promotor
de Justiça de Meio Ambiente
do Estado Gerson Barbosa. Ele
é autor de uma ação civil pública pedindo a anulação do EIA-Rima de Dardanelos.
A ação do Ministério Público
conseguiu impedir que Dardanelos fosse a leilão em dezembro do ano passado, mas a Eletronorte afirma, agora, que está
terminando de cumprir as condições impostas pela Sema para
o licenciamento. Barbosa discorda. "A decisão de construir
Dardanelos não é técnica, é política. E já foi tomada."
Cascata de problemas
O primeiro problema apontado pelo Ministério Público
envolve a própria competência
de Mato Grosso para licenciar a
hidrelétrica, já que o rio Aripuanã é federal -corta dois Estados-, o que daria ao Ibama, o
órgão ambiental federal, essa
responsabilidade.
Há conflito com o Ibama
também num fato aparentemente ignorado pela Eletronorte: a zona dos saltos foi classificada pelo Ministério do
Meio Ambiente como de prioridade "extremamente alta"
para a conservação da biodiversidade, e o Ibama estuda a criação, ali, de uma reserva de desenvolvimento sustentável.
Outro ponto nebuloso diz
respeito ao valor das linhas de
transmissão, que ainda geram
debate (leia texto à direita).
Mas a principal confusão é
quanto à vazão mínima necessária para fazer funcionar a hidrelétrica e manter as cachoeiras com água. A primeira versão do EIA-Rima fala em 12
metros cúbicos por segundo de
vazão remanescente (ou seja,
descontando o que a usina utilizará). O valor depois foi alterado para 17,9 metros cúbicos por
segundo e, agora, para 21.
Acontece que, para funcionar, a hidrelétrica precisa de
pelo menos 17 metros cúbicos
por segundo. E a vazão mínima
mensal do rio Aripuanã é 18
metros cúbicos por segundo.
Não bastasse isso, uma portaria
da Agência Nacional das Águas
estabelece que as pequenas
centrais hidrelétricas já instaladas no salto dos Dardanelos
devem ter garantidos 24,3 metros cúbicos por segundo.
Por essa matemática, a hidrelétrica só poderia funcionar
quando o rio tivesse mais de 60
metros cúbicos por segundo de
vazão. "Pelos nossos cálculos, a
usina ficaria três meses por ano
parada por falta d'água -isso se
a vazão remanescente fosse 12
metros cúbicos por segundo",
diz Dorival Gonçalves Júnior,
professor de engenharia elétrica da Universidade Federal de
Mato Grosso e um dos especialistas que analisaram o EIA-Rima a pedido do MP. "Se você
viabiliza os 21 metros cúbicos,
inviabiliza a usina do ponto de
vista energético, e vice-versa."
Segundo Gonçalves Júnior, a
inconstância do rio faria com
que a chamada energia firme da
usina -ou seja, a potência com
a qual se pode contar- caísse
para 80 megawatts, o que a Eletronorte nega (leia texto na pág.
A27). A potência instalada (nominal) do empreendimento é
261 megawatts. "Nacionalmente, para uma usina ser economicamente viável, essa relação
é acima de 50%", diz o engenheiro. "Isso vira tarifa depois."
Com Juliana Arini, colaboração para a Folha
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