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Genes apóiam nova hipótese sobre Luzia
Maior mapa de DNA de populações indígenas americanas já feito sugere passado mais movimentado para o continente
Diversidade dos primeiros
povoadores era alta a ponto
de acomodar até povos com
feições "africanas", como a
antiga raça de Lagoa Santa
RAFAEL GARCIA
ENVIADO ESPECIAL A FOZ DO IGUAÇU
O maior mapa genético já feito das populações indígenas
das Américas está prestes a ser
concluído e deve corroborar
uma teoria emergente sobre a
ocupação do Novo Mundo. O
projeto é uma iniciativa do geneticista colombiano Andrés
Ruiz Linares, do University College de Londres, em colaboração com 17 instituições de dez
países. Se os dados estiverem
corretos, indicarão que a diversidade humana nas Américas
foi bem maior no passado.
Em 2004, Ruiz conseguiu
reunir amostras de DNA de indivíduos de 25 etnias -do Alasca à Patagônia- e 13 populações mestiças com algum componente nativo. Todas as amostras foram testadas para aquilo
que os geneticistas chamam de
marcadores de ancestralidade.
No caso, foram usados 800 desses pedaços de DNA, capazes de
revelar se o material genético
de uma pessoa veio de um ancestral comum próximo ou distante em relação a outra.
"Com esses dados podemos
avaliar quando os humanos
chegaram à América pela primeira vez e que rota seguiram",
disse Ruiz. Ele apresentou uma
versão preliminar do estudo na
última terça-feira no 52º Congresso Brasileiro de Genética,
em Foz do Iguaçu (PR).
As análises podem ajudar a
solucionar enigmas como a
descoberta de crânios antigos
com formas bem diferentes das
dos índios atuais. O crânio mais
famoso, Luzia, de 11 mil anos, é
de uma mulher que mais parecia uma nativa africana, apesar
de ter sido achada em uma gruta de Minas Gerais.
Alguns antropólogos acreditam que os primeiros colonizadores da América eram como
Luzia. Os mongolóides teriam
chegado da Ásia depois, dizimando ou absorvendo o povo
de Lagoa Santa e semelhantes.
Para Ruiz, porém, essa é a hipótese menos provável.
Continuidade
Os dados genéticos estão de
acordo com a tese de que, na
verdade, a primeira população
a chegar nas Américas era mais
diversa do que muitos cientistas imaginavam antes. Esse
grupo relativamente heterogêneo primeiramente se espalhou por toda a costa do Pacífico -do Canadá até o Chile- e
só depois marchou para o interior. "Nossos dados estão enfatizando a importância de uma
expansão rápida por uma rota
costeira", diz Ruiz.
O colombiano conseguiu
também resolver um enigma
sobre os índios da Costa Rica e
Panamá, que não são culturalmente tão próximos de seus vizinhos da Guatemala. Eles vêm
de um "refluxo" de migração da
Amazônia para as terras baixas
da América Central.
Entre os espectadores mais
entusiasmados na palestra de
Ruiz estava o bioantropólogo
argentino Rolando González-José, do Centro Nacional Patagônico. Seu grupo defende que
a leva de migração que chegou à
América do Sul tinha diversidade suficiente para abarcar tipos
humanos tão diversos quanto o
do povo de Lagoa Santa.
"Mongolização"
"Os dados dele estão fechando muito com nosso modelo",
diz a geneticista Maria Cátira
Bortolini, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do
Sul), que trabalha com o argentino e os brasileiros Fabrício
Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais, e Sandro
Bonatto, da PUC do Rio Grande
do Sul, na tentativa de construir uma teoria consensual para o povoamento da América.
O que o grupo está tentando
fazer é conciliar os dados de diversidade populacional que
existiam na Ásia e nas Américas desde antes da chegada de
humanos e estabelecer um
contínuo de fluxos migratórios
que se encaixe nesses dados.
Segundo González-José, é
fundamental para isso entender a perda de diversidade pela
qual passou a Ásia desde o povoamento da América, o evento
que os pesquisadores chamam
de "mongolização" (predominância do aspecto mongolóide
naquele continente). "Se esse
formato mongolóide surgiu por
deriva genética [acaso] ou por
uma seleção para adaptação ao
frio é hoje um debate acalorado", afirma o antropólogo.
Os dados genéticos também
ilustram como esquimós e povos na-dene do extremo norte
estão mais relacionados com a
população siberiana atual, menos diversa. Como eles teriam
chegado em uma onda de migração posterior, quando já não
havia tanta diversidade na Ásia,
essa maior homogeneidade se
manifesta na população nativa
do Canadá e Alasca atuais.
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