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ANTROPOLOGIA
Índios tinham sistema sofisticado para pesca durante o século 17
Amazônia tinha fazenda de peixes
CLAUDIO ANGELO
DA REPORTAGEM LOCAL
Está cada vez mais difícil sustentar a tese de que a pobreza ambiental da Amazônia impediu o
desenvolvimento de grandes sociedades indígenas na região no
passado. Um estudo publicado
hoje na revista "Nature" mostra
que culturas do norte da Bolívia
driblaram o ambiente, transformando a savana onde viviam numa piscicultura gigante.
Estudando aterros pré-colombianos na região de Baures, perto
da fronteira com o Brasil, o arqueólogo norte-americano Clark
Erickson, da Universidade da
Pensilvânia, descobriu estar diante de um sistema de canais e tanques de 500 km2 de extensão (um
pouco maior que a baía de Guanabara), provavelmente usado
pelos índios para criar peixes.
A piscicultura, afirma o pesquisador, foi a maneira encontrada
pelos antigos bolivianos para suprir a carência de proteínas num
lugar onde a caça rareia e onde o
solo é ruim para o plantio.
"Em vez de simplesmente se
adaptar a um dado ambiente externo, os povos amazônicos construíram o ambiente que desejaram", disse Erickson à Folha.
A região de Baures, perto da
fronteira com o Brasil, é uma zona
de campos naturais que passa
metade do ano alagada. Para
aproveitar os peixes trazidos pelas
cheias, os índios baures usaram
um truque engenhoso: ergueram
mais de 1.500 km de diques em
forma de ziguezague, com "comportas" a cada 50 ou 100 metros.
Atrás de cada barreira eram
construídos "piscinões" circulares, mais profundos, que acumulavam água nas épocas mais secas.
"Os peixes que entravam ficavam retidos ali e podiam ser capturados facilmente durante o resto do ano", afirma o cientista.
Os tanques acabavam tendo tripla função: além de prover água e
peixe, ainda tornavam o solo adequado ao nascimento de palmeiras de frutos comestíveis. Para
completar, eram ótimos pontos
de caça. "Animais se juntavam ali
para beber água", diz Erickson.
Para complementar a dieta, os
baures cultivavam mandioca e
batata-doce em aterros, sobre os
quais também erguiam aldeias.
A identificação dos diques foi
feita por analogia com outros tipos de "curral" de peixes usados
por índios atuais. "O formato em
ziguezague descarta a possibilidade de seu uso para transporte; há
várias estradas em linha reta na
vizinhança dos diques que cumpriam essa função", diz Erickson.
A única datação feita de material associado aos diques mostra
que eles já haviam sido erguidos
em meados do século 17, décadas
antes da invasão espanhola na região. "Mas não sabemos ainda
quando eles começaram a ser
construídos, nem por quem."
Tanto as estradas -que conectavam uma aldeia à outra-
quanto as barragens evidenciam
um alto grau de articulação entre
os assentamentos da região.
Erickson disse, no entanto, duvidar de que pudesse ter havido
uma articulação política central
em Baures. Alguns estudiosos
propõem que as sociedades amazônicas pré-colombianas tenham
se estruturado sob o que eles chamam de "cacicados", um sistema
político entre a tribo e o Estado.
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