São Paulo, sexta-feira, 09 de novembro de 2007

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Grupo vê "berçário" de raios cósmicos

Observatório Pierre Auger identifica de onde partem os raros petardos ultra-energéticos que chegam até a Terra

Consórcio de 17 países, que inclui o Brasil, resolve um mistério que atormenta a física há 25 anos; descoberta é uma das maiores do século

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

A fotografia de Albert Einstein (sem a manjada língua de fora) na sala do físico Carlos Escobar, da Unicamp, serve como aviso: o trabalho feito ali não tem nada de trivial, nem envolve escalas triviais de grandeza.
Escobar passou mais de uma década estudando os raros raios cósmicos ultra-energéticos, misteriosos disparos naturais de partículas que fustigam a Terra de tempos em tempos. Agora, ele acaba de ajudar um consórcio internacional formado por cientistas de 17 países a decifrar de onde eles vêm.
A descoberta, que pode ser considerada uma das mais importantes da cosmologia neste início de século, está publicada na revista "Science" de hoje. "Agora sabemos que os raios cósmicos de alta energia são originários de galáxias próximas à nossa", explica Escobar.
Para se enquadrarem na categoria "alta energia", as partículas precisam ter pelo menos 16 joules, o que pode parecer pouco, mas não é. Se partículas com essa energia pesassem 1 miligrama, cada uma delas causaria um impacto sobre a Terra semelhante ao de um monte Everest viajando a 200 km/h. Para nossa sorte, elas têm menos de um bilionésimo da massa de um grão de areia.
O que os cientistas fizeram, a partir do Observatório Pierre Auger, na Argentina, foi seguir o trajeto contrário dos raios de alta energia, compostos de prótons e outros núcleos atômicos que viajam pelo Universo a uma velocidade próxima à da luz (veja quadro à direita).
Os petardos minúsculos perdem energia quando se chocam com a radiação cósmica de fundo, um resquício do Big Bang que banha todo o Universo, e aterrissam como uma chuveirada. "A direção desses raios a partir da fonte não é muito distorcida, o que permite segui-los", diz Escobar.
Todos os 27 disparos estudados e captados pelos tanques (que medem a energia) e telescópios (que seguem a luz dos raios) do Pierre Auger começaram, lá fora da galáxia, a uma distância menor que centenas de milhões de anos-luz (algo próximo dos 9,5 trilhões de quilômetros) da Terra.

Batalha naval
A forma de saber de onde partiu um raio cósmico é semelhante ao trivial jogo de batalha naval. Os cientistas usam uma espécie de mapa do céu, um catálogo sofisticado que contém galáxias já estudadas.
Quando não dá "água!" é possível saber de onde vêm os raios. "A galáxia Centauro A é uma fonte, por exemplo", explica Escobar. "Todas elas estão em núcleos ativos de galáxias". Essas regiões são alimentadas por buracos negros supermaciços, os glutões energéticos.
A origem da energia extrema, lembra Escobar, sempre foi alvo de polêmica, além de ser considerada um grande mistério científico. Alguns grupos achavam que só seria possível explicar o fenômeno, se uma nova teoria física fosse feita.
Porém, para alegria do próprio Escobar, as fontes, como se vê agora, não são obra de extraterrestres. "A origem pode ser perfeitamente explicada. Ela não viola, por exemplo, a relatividade de Einstein."


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