São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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+ Marcelo Leite

O clone que veio do frio


Elefantas de aluguel decerto dariam conta de gestar mamutes

Uma das maiores emoções que vivi num cinema foi com "Parque dos Dinossauros" (1993). Logo no começo do filme de Steven Spielberg, os heróis recém-desembarcados na ilha Nublar deparam com a imagem inesquecível: uma manada de braquiossauros. Em movimento.
Cinema em estado puro -ou seja, mentira. Ilusão. Mas quanta beleza... Depois do cinema e da literatura, só mesmo a ciência para realizar diante de nossos olhos alguns dos desejos e visões que só conseguimos projetar na tela da mente. Imagino a emoção de Michael Crichton (morto terça-feira) ao ver "vivos" os animais de "Jurassic Park", livro em que se baseou o filme. Lembrei-me de "Parque dos Dinossauros" ao saber que pesquisadores produziram no Japão clones de camundongos congelados há 16 anos. Obra de Teruhiko Wakayama, o Spielberg da biologia. Foi o primeiro a clonar um animal macho adulto, e agora nos brinda com outra façanha. O grupo de Wakayama no Centro de Biologia do Desenvolvimento do instituto Riken incendiou a imaginação com seu artigo no periódico "PNAS" (www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0806166105). Se eu fosse Spielberg, já estaria pensando num "Parque dos Mamutes". Pense na lista de animais extintos que seria possível, em tese, ressuscitar. Dodôs (as aves avantajadas das ilhas Maurício), megatérios (preguiças-gigantes da América do Sul), quaggas (primas com menos listras das zebras) e tigres-dente-de-sabre.
Tudo bem, seria preciso obter espécimes congelados dos bichos, coisa indisponível. Mamutes no freezer, porém, existem. Em julho de 2007, até um filhote foi retirado do permafrost (solo congelado) da Rússia.
Então vamos de mamute. Elefantas de aluguel decerto dariam conta de gestar os clones.
Mais urgente, porém, seria considerar outra lista, a dos 627 animais incluídos no "Livro Vermelho" do Ministério do Meio Ambiente. Bichos como o cairara, macaco da espécie Cebus kaaporis, cercados por madeireiros na reserva biológica Gurupi (PA). Ou como o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), que corre o risco de desaparecer com o cerrado, sob o avanço da soja, do milho e do algodão.
Apenas por prudência, seria o caso de começar a pensar em construir um bom congelador para guardar amostras dessas 627 espécies. Já não estão fazendo isso com sementes do mundo todo, na ilha Svalbard, no Ártico? Foi por iniciativa do governo norueguês. O mesmo que se dispôs a doar US$ 1 bilhão para a Amazônia brasileira, se mantivermos a redução no desmatamento (o que será fácil em 2009, com a crise financeira). A Noruega bem que poderia ceder também um cantinho, lá, para preservar amostras de nossa fauna que estão sem futuro.
Tenho até sugestão de nome para o projeto: "A Arca dos Manés". Se virar filme, "O Parque das Antas".

 
Não entendi a bronca do ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, contra a venda das empresas de biotecnologia Alellyx e CanaVialis à Monsanto, conforme li em reportagem de Herton Escobar ("O Estado de S.Paulo"). Ambas pertenciam ao Grupo Votorantim e foram repassadas à multinacional por US$ 290 milhões. Um investidor arrojado bancou idéias promissoras, anos a fio, em parceria com agências de fomento à pesquisa. Aí um grupo com mais experiência e capital entrou no negócio.
Não é exatamente isso que se pretendia com toda a ênfase dos últimos anos em inovação, inovação, inovação?

MARCELO LEITE é autor de "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br



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