São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 2003

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BIOLOGIA

Micróbio suporta 3.000 vezes mais radiação que um ser humano, graças ao formato circular de sua cadeia de DNA

Superbactéria resiste a ataques nucleares

France Presse/Science
O anel de DNA (em azul) da bactéria e suas quatro divisões (à dir.), com cópias extras da molécula


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O apelido era inevitável: "senhora dos anéis". Assim como anéis mágicos conferem poder aos personagens da série de livros "O Senhor dos Anéis", de J.R.R. Tolkien, agora sendo transformada em filmes, são microscópicos anéis formados por material genético que explicam a espetacular resistência à radiação da bactéria Deinococcus radiodurans.
Uma equipe do Instituto Weizmann de Ciência, de Rehovot, Israel, demonstrou em estudo publicado na edição de hoje da revista científica americana "Science" (www.sciencemag.org) que a resistência da bactéria à radiação se deve à forma como o material genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico), é armazenado nela.
A intensidade de radiação absorvida por um determinado organismo é medida em "rads" (rad é a sigla em inglês para "dose absorvida de radiação").
Um rad equivale a um grama de material absorver a energia de 100 ergs (um erg equivale ao impacto de um mosquito voando devagar trombando com a testa de alguém). Um exame de raio-X do tórax equivale a pouco menos de um rad. Metade das pessoas que têm todo o corpo exposto a 450 rads morrem em até um mês.
A Deinococcus radiodurans ("bactéria terrível resistente à radiação") pode sobreviver a uma dose de 1,5 milhão de rads. Ou seja, esse microrganismo de cor avermelhada suporta cerca de mil vezes mais radiação do que qualquer outro habitante da Terra, e três mil vezes mais resistente do que um ser humano.
O DNA é uma longa molécula que tem a forma de uma dupla hélice, como duas escadas espirais entrelaçadas.
Já os anéis de DNA lembram rosquinhas, a forma geométrica conhecida como "toróide".
"Quando o DNA está apertado dentro dos toróides, fragmentos produzidos pela radiação ou por ressecamento são mantidos firmemente juntos e não se separam um do outro", disse à Folha o líder do grupo de pesquisa, Abraham Minsky, do Departamento de Química Orgânica do Instituto Weizmann.
"Por isso, ter uma estrutura na forma de anel fornece um modo simples de corretamente reparar quebras, porque a continuidade linear da longa molécula de DNA fica menos preservada depois de muitas quebras", acrescenta o pesquisador israelense.

De outro mundo
A Deinococcus radiodurans tem tanta resistência, comparada com outros seres, que há quem diga que ela seja ET.
Cientistas russos e da Nasa, agência espacial americana, travaram um debate recente sobre as origens da bactéria. Para os russos, ela poderia até ter vindo de Marte, onde teria evoluído em um ambiente exposto a altas doses de radiação cósmica.
Seus colegas norte-americanos discordaram, afirmando que a Terra também teria as condições para a evolução da bactéria, mas por um motivo bem diferente.
"O que geralmente se assume é que a resistência da Deinococcus radiodurans à radiação extrema é um efeito colateral da sua resistência ao ressecamento extremo. O ressecamento causa dano no DNA semelhante ao da irradiação, isto é, a quebra da sua dupla hélice", afirma Minsky.
A resistência da bactéria se deve também ao DNA "estepe" que ela carrega. Ela é dividida internamente em quatro partes, cada um contendo uma cópia do DNA. Enquanto parte dele funciona normalmente solto dentro da célula, regulando a produção de proteínas, outra parte fica seguramente apertada dentro dos anéis.

Descoberta fortuita
A Deinococcus radiodurans, que teve seu genoma sequenciado em 1999, foi descoberta há várias décadas dentro de latas de comida que tinham sido esterilizadas com radiação. Tinham sobrevivido e gerado colônias. Depois, essa grande resistência foi empregada para ajudar na eliminação de lixo radiativo, já que a bactéria podia sobreviver em locais onde outras não conseguiriam.
"Eu acho que o significado principal dos nossos resultados é aprofundar o conhecimento da resistência ao estresse em bactérias", afirma o pesquisador do Weizmann.
"Nos dias de hoje, nos quais as bactérias são usadas em guerra biológica e infecções bacterianas estão se tornando disseminadas de novo, essa compreensão é crucial", completa o cientista.


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