São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 2010

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Sexo, partículas e ficção


Frank Wilczek, Nobel de física de 2004, diz que não quer "atrapalhar" experimentos e começa a escrever um romance


CLAUDIA DREIFUS
DO "NEW YORK TIMES"

Frank Wilcek, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 2004, continua trabalhando avidamente em suas teorias, mas diz não querer visitar os experimentos no superacelerador de partículas europeu LHC, que acaba de voltar a funcionar. "Eu iria atrapalhar", diz o cientista.
Aos 58, como professor no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), o físico tem se dedicado a estudar uma estranha classe de partícula elementar, os áxions, que por enquanto existe só em especulação. Eles podem, contudo, ajudá-lo a aprimorar a teoria que lhe rendeu o Nobel, a cromodinâmica quântica -as leis das forças que regem os quarks e glúons, as partículas que formam os prótons e nêutrons nos núcleos atômicos.
O único manuscrito que Wilczek promete completar em 2010, porém, é um romance de ficção. "Estou colocando muito sexo, música e filosofia no livro", diz. Leia abaixo entrevista com o cientista.

 

PERGUNTA - Todos os pais acham que seus filhos são gênios. O sr. foi um mini-Einstein quando criança?
FRANK WILCZEK - Meus pais não pensavam assim. Eles eram filhos de imigrantes da Polônia e da Itália, pessoas bem humildes. Eu cresci no Queens [periferia de Nova York] e frequentei escolas públicas. Quando criança, gostava de quebra-cabeças, tentava descobrir como coisas abstratas se encaixavam.

PERGUNTA - E quando seus pais perceberam que tinham um prodígio em casa?
WILCZEK - Fiz um teste de QI no ensino básico. Os professores disseram: "Hmm, talvez vocês devam tirá-lo do ensino público". De repente, em vez de ter uma criança que simplesmente queria ser o manda-chuva, eles tinham esse... fenômeno. Eles davam conselhos com cautela, mas eu frequentei uma escola normal. Sempre estava alguns anos à frente. Tinha acabado de fazer 15 anos quando entrei na Universidade de Chicago.

PERGUNTA - A descoberta que, mais tarde, lhe rendeu o Nobel, foi feita aos 21 anos, certo?
WILCZEK - Era minha tese de doutorado. No começo dos anos 1970, eu estava na pós-graduação em matemática, em Princeton, mas não tinha certeza se queria isso. Por sorte, o prédio de matemática estava ligado ao de física. De alguma forma, fui parar lá e conheci David Gross [físico com quem dividiu o Nobel de 2004]. Havia muita coisa interessante acontecendo em física naquela época. Quando segui naquela direção, não tive como voltar atrás.

PERGUNTA - O sr. poderia explicar a tese para um leigo em física?
WILCZEK - Uma grande pergunta na época era: qual é a grande força que mantém unido o núcleo do átomo? Havia muitos fatos conhecidos sobre essa grande força, a maior de quatro conhecidas, mas nenhuma teoria real. Freeman Dyson [físico de Princeton] tinha dito que levaria cem anos para que pudéssemos entender. Mas David e eu progredimos para fazer uma proposta para as equações fundamentais que governam essa força. Também propusemos experimentos para verificá-las, e depois foram provadas.
O segredo era uma propriedade de quarks chamada "liberdade assintótica". Essa força é algo único na natureza porque ela se desliga quando partículas se aproximam uma da outra. De forma contrária, o poder da força cresce com a distância. Isso foi visto através de experimentos, mas mostrou ser muito difícil relacionar com a mecânica quântica [teoria que explica o eletromagnetismo e as forças nucleares] e a relatividade [que explica a gravidade].
Bem, David e eu descobrimos que isso poderia estar relacionado. Porém, apenas em uma teoria única, matematicamente intricada e altamente simétrica cujas lindas equações poderíamos escrever. Essa teoria é hoje chamada de cromodinâmica quântica, ou QCD. Ela nos ajudou a entender mais sobre o Universo mais antigo e sugeriu novas ideias sobre a unidade das forças na natureza.

PERGUNTA - O sr. fez tudo isso em menos de um ano. O que pensou depois de terminar?
WILCZEK - Que aquilo era lindo. Filósofos, desde a época de Aristóteles, diziam que a ciência fundamental era parecida com a experiência do dia a dia, onde só há princípios básicos que não poderiam ser precisos, pois você cairia em paradoxos e contradições. Então, com a QCD, pensei: "Puxa, a natureza obedece a leis matemáticas".

PERGUNTA - A QCD mostrando a energia como fonte da massa confirmou ideias de Einstein. Foi boa a sensação de confirmar o mestre?
WILCZEK - Essa foi uma consequência maravilhosa daquele trabalho; não a tínhamos previsto. Ele propôs essa possibilidade de converter massa em energia, e vice-versa. Nós mostramos que a maior parte da massa da matéria ordinária vem da energia dos quarks e glúons que se movem. Então, confirmamos, estendemos e alcançamos suas ideias.
Einstein era um dos meus maiores heróis quando eu era criança. Acho que ele iria gostar do meu trabalho. Assim espero.

PERGUNTA - Agora que o acelerador de partículas LHC retomou seus experimentos, o sr. vai trabalhar lá?
WILCZEK - Não, eu iria atrapalhar. Porém, propus algumas equações fundamentais, e espero que elas sejam testadas e verificadas no LHC. Não me envolvi com os detalhes. No entanto, a QCD terá muita aplicação no LHC porque grande parte do que acontece ali é governado pela QCD.

PERGUNTA - Em que o sr. esteve trabalhando desde o Nobel?
WILCZEK - Tenho pensado sobre partículas chamadas áxions e como elas influenciam a cosmologia. Estou tentando me dedicar a unir tudo que eu pensei antes à supersimetria [teoria que prevê um novo tipo de simetria entre os tipos de partículas elementares] e áxions. Também tenho trabalhado em uma eletrônica exótica. Peguei ideias desenvolvidas na física de altas energias, sobre propriedades incomuns que as partículas podem ter. Há algumas ideias nisso para possivelmente ajudar a fazer um computador quântico no futuro.
Além disso, estou escrevendo um livro de mistério, que estou chamando de "The Attraction of Darkness" (A Atração da Escuridão). É a história de quatro físicos, dois homens e duas mulheres, que colaboram e descobrem o que é a matéria escura [um tipo misterioso de matéria que não interage com radiação]. Por isso, eles devem receber o prêmio Nobel. Porém, as regras dizem que no máximo três pessoas podem dividir o prêmio. Um dos quatro morre, um suposto suicídio, mas depois vemos que talvez não. Estou colocando muito sexo, música e filosofia no livro.

PERGUNTA - De onde veio a ideia?
WILCZEK - Existem situações assim. Há muitos casos onde alguma descoberta notável tem suas origens contestadas. Às vezes, há cinco ou seis pessoas que podem ser candidatas a determinado prêmio. Comecei a pensar nisso quando estava em Estocolmo recebendo o Nobel.
Minha promessa de Ano Novo é terminar o livro até meu aniversário, em meados de maio.


Tradução de GABRIELA D'AVILA


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