São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2008

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Embrião usado para terapias não vai morrer, diz Nobel

Para cientista Oliver Smithies, usar célula-tronco humana em tratamento será modo de "preservar vida" embrionária

Biólogo molecular atuando na área desde antes de o DNA ser descoberto diz que tempo fará linha de estudos deixar de ser controversa

Leandro Moraes/Folha Imagem
O cientista Oliver Smithies, 82, concede entrevista antes de palestra no Parque do Ibirapuera

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O geneticista Oliver Smithies, 82, um dos vencedores do Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2007, acredita que o debate sobre o uso de células-tronco embrionárias humanas em pesquisa tomou o "rumo errado". Para o cientista da Universidade da Carolina do Norte (EUA), que lida com células-tronco há mais de 20 anos, é errado discutir a perspectiva de seu uso terapêutico como algo que requer "morte" ou destruição de embriões.
"Na verdade, estamos falando de preservar a vida do embrião -embrião que não seria usado para mais nada- permitindo a ele ajudar a vida de outras pessoas", disse o cientista, questionado sobre a ação em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode acabar proibindo o uso de embriões em pesquisa no Brasil.
"Gostaria que o Supremo Tribunal pensasse em células-tronco de modo diferente", disse Smithies. "Imagine que eu seja um jovem morto num acidente de carro. Há partes do meu corpo que ainda são úteis e podem ser dadas a outras pessoas para manter suas vidas. Então, parte de mim viveria em outra pessoa. Se uma célula-tronco embrionária é feita [para terapia], aquele embrião não é morto, aquele embrião dá vida a outra pessoa, por fim."
Smithies expôs sua defesa do uso de células-tronco embrionárias humanas ontem em entrevista antes de uma palestra em um auditório anexo à exposição Revolução Genômica, no Parque do Ibirapuera. O geneticista, que repartiu o Nobel com Martin Evans e Mario Cappechi por criar uma técnica de manipulação de genes, usa células-tronco como ferramenta dentro desta e de outras linhas de pesquisa que segue.

Dez anos
Questionado sobre quanto tempo o estudo de células-tronco embrionárias humanas levará para render algum tipo de terapia, Smithies alertou que cientistas "não são muito bons em fazer previsões" e em geral erram para menos. Mas ainda assim arriscou palpitar.
"Prevejo que conseguiremos algo útil usando células-tronco embrionárias humanas em provavelmente cerca de dez anos", diz. "Tenho trabalhado com essas células por 20 anos e já as vi se tornarem músculo cardíaco e baterem. É impressionante olhar pelo microscópio um dia e ver: tum, tum, tum. Está batendo! Faz os meus cabelos se arrepiarem."
Smithies, que usou células-tronco para desenvolver cobaias usadas no estudo de doenças como fibrose cística e hipertensão, está agora investigando problemas renais. Ele participa do debate político sobre ciência desde antes de 2001, quando os EUA restringiram o uso de verbas federais para pesquisa com embriões.
"Enviei uma mensagem ao presidente [George W. Bush]- não sei se ele recebeu- e sugeri que ele deveria repensar o assunto", diz. "É um erro por parte do nosso presidente fazer isso. Ele está misturando duas coisas: religião e governo. Nos EUA, nossa Constituição diz que a religião de uma pessoa deve ser assunto privado dela."
Segundo Smithies, mesmo que o Brasil não seja um líder em ciência, sua participação na pesquisa de células-tronco é importante, já que a iniciativa é global. "O país que não participar desse trabalho perderá a oportunidade dar uma contribuição à humanidade", diz. "Seria uma grande vergonha."
Para o geneticista, que trabalha com biologia molecular desde antes da descoberta do DNA, em 1953, a polêmica sobre pesquisas na área é transitória. "Não acho, na verdade, que seremos um campo controverso, se esperarmos um pouco", diz. "Muitas coisas, quando começam, são controversas. Depois, nos acostumamos, e elas deixam de ser."


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