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MEDICINA
USP e Unifesp usam radiação em cirurgia de tratamento de transtorno obsessivo-compulsivo; técnica vem dos EUA
Raios gama operam o cérebro sem cortes
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Numa parceria com uma universidade americana, pesquisadores brasileiros estão conduzindo no país as primeiras cirurgias
de cérebro feitas com uma técnica
que não exige abrir a cabeça do
paciente. Todo o trabalho é feito
com radiação gama, um tipo invisível e altamente energético de luz
mais poderoso que raios X.
O objetivo é oferecer uma nova
arma no combate a casos de
transtorno obsessivo-compulsivo
(TOC) que não respondam aos
tratamentos convencionais, com
medicamentos. Com a polêmica
que envolve as cirurgias cerebrais
para doenças psiquiátricas, mesmo as que não exigem serrar o
crânio do paciente, um dos objetivos do grupo é manter as mentes
abertas para a estratégia.
"É uma medida de último caso,
mas pode ser um procedimento
cada vez mais seguro, caso todos
os cuidados sejam tomados", diz
Euripedes Constantino Miguel Filho, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
USP. Ele é o coordenador do estudo, que está relatado na edição de
abril da revista "Pesquisa Fapesp"
(revistapesquisa.fapesp.br).
A operação é bem mais simples
do que as neurocirurgias tradicionais. Os pesquisadores usam tomografias para identificar o ponto exato no cérebro que deve ser
atingido pelos raios gama.
O transtorno obsessivo-compulsivo é uma doença psiquiátrica
cujas manias muitas vezes causam até danos físicos ao paciente,
como lavar as mãos até que elas
sangrem. Acredita-se que esteja
ligado ao disparo inadequado de
neurônios num circuito do cérebro que liga a base do órgão ao
córtex, a região mais externa.
Uma vez determinado o alvo no
cérebro, os médicos colocam o
paciente numa câmara de cobalto
radiativo, parecida com uma câmara de ressonância magnética.
Dentro dela, a cabeça fica envolvida por uma espécie de redoma
com 201 pequenos furos.
Na região do cérebro em que os
raios gama vindos dos furos se
cruzam acontece o efeito desejado
-uma pequena lesão mata os
neurônios cujo disparo é anormal. "Após a cirurgia, o paciente
levanta e vai embora para casa",
descreve Miguel Filho.
O que não quer dizer que não
ocorram efeitos colaterais. O mais
comum são dores de cabeça, mas
efeitos imprevisíveis podem
acontecer. "Houve um caso, na
Universidade Brown [EUA], em
que o paciente teve um problema
com apatia, passou a ser uma pessoa com muita falta de iniciativa.
Mas menos da metade dos pacientes sofre um efeito colateral."
No caso de cirurgias com abertura do crânio, os danos são mais
freqüentes. Podem ocorrer infecções ou até inchaço do cérebro.
A Universidade Brown já usa a
técnica dos raios gama para tratamento de TOC há quase dez anos.
No Brasil, as primeiras operações
ocorreram em dezembro passado. Já foram feitas cinco, mas Miguel Filho considera cedo demais
para comentar os resultados. É
preciso esperar ao menos um ano
para avaliar os pacientes.
Agora o grupo brasileiro pretende dar um salto ainda maior:
conduzir o primeiro estudo do tipo "duplo-cego" com a cirurgia.
A idéia é medir o quanto a evolução dos pacientes está ligada ao
chamado efeito placebo (melhora
do quadro médico pela crença do
paciente de que recebeu tratamento eficiente, mesmo quando
não foi de fato tratado).
Serão recrutados 48 pacientes
para o estudo. Apenas metade deles receberá a injeção de raios gama da cirurgia, mas nem os médicos nem os pacientes saberão
quais foram realmente operados
-daí o nome "duplo-cego".
Após um ano, os médicos serão
informados sobre quem recebeu
de fato o tratamento e os cientistas poderão comparar a evolução
de todos os casos. Após a revelação, os pacientes não-operados
poderão passar pelo procedimento, se desejarem.
A pesquisa de R$ 2 milhões foi
financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), pelo Instituto
de Radiocirurgia de São Paulo e
pelo Hospital Santa Paula. Os estudos foram conduzidos por especialistas de psiquiatria e neurocirurgia da USP e psiquiatras da
Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo).
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