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Nova teoria sobre chuva divide cientistas
Russos dizem que mata leva chuva do litoral ao interior porque transpiração das plantas reduz pressão e move ar úmido
Hipótese explica chuva farta no interior da Amazônia; força da evaporação das árvores bombeia umidade do mar para as florestas
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Uma ideia simples, e que não
parece nova, pôs climatólogos
em pé de guerra. Os físicos russos Anastassia Makarieva e
Victor Gorshkov propuseram
em 2006 que só a presença de
florestas explica por que chove
muito em áreas longe da costa,
como o interior da Amazônia, e
foram quase ignorados. Agora o
debate começa a pegar fogo.
A explosão da controvérsia
teve estopim duplo. No front
especializado, um artigo elogioso de Douglas Sheil e Daniel
Murdiyarso, do Centro Internacional de Pesquisa Florestal
(Cifor, sediado na Indonésia),
na edição de abril do periódico
científico "BioScience". No
front leigo, uma reportagem de
Fred Pearce na revista de divulgação "New Scientist".
A reação padronizada de meteorologistas diante da hipótese russa é dizer que todos já sabem da influência das florestas
na precipitação. Seus modelos
predizem que o desmatamento
reduz em cerca de 20-30% as
chuvas de uma região. O debate
motivou troca de e-mails ácidos entre cientistas brasileiros.
Makarieva e Gorshkov
(M&G, para abreviar) afirmam
que essa redução, contudo, pode chegar a 95% e transformar
o local num deserto. Para eles,
foi o que aconteceu na Austrália com a chegada de humanos,
há 50 mil anos, e a subsequente
redução das florestas.
Nessa diferença percentual
está a controvérsia. Para M&G,
do Instituto de Física Nuclear
de São Petersburgo, a força da
evaporação é um dos principais
motores da circulação atmosférica, vale dizer, dos ventos que
movem a chuva -mecanismo
apelidado de "bomba biótica".
A adversários dizem que a
força da bomba está no gradiente de temperatura provocado por diferenças na incidência e absorção de radiação solar
entre regiões, a teoria padrão.
No esquema tradicional, ventos transportam massas de ar
acima do oceano -onde são
carregadas de umidade por
evaporação, sob efeito do sol-
para a terra. Só que com esse
mecanismo, a quantidade de
chuva deveria diminuir no interior do continente, à medida
que a costa fica mais longe. Não
é o que ocorre em muitas partes
do mundo, como a Amazônia,
em cuja porção ocidental chove
tanto ou mais que no litoral.
Para M&G, a explicação vem
da própria floresta (por isso a
bomba seria "biótica", viva).
Por meio da transpiração, as
plantas liberam vapor d'água
na atmosfera. Conforme o vapor sobe, encontra camadas de
ar frio e se condensa em gotículas, formando nuvens.
Na transição da forma gasosa
para a líquida, a água diminui
de volume, deixando um "vazio" no ar, diminuindo sua
pressão. Isso faz com que o ar
mais abaixo, onde a pressão é
relativamente mais alta, seja
sugado para cima, arrastando
com ele o ar mais úmido, do
oceano ou da própria floresta
adjacentes. Uma bomba de elevar vapor, que produz chuva.
Polêmica fraterna
"Se sobreviver ao escrutínio,
esta hipótese transformará o
modo como vemos a perda de
florestas, a mudança climática,
a hidrologia e os serviços ambientais", escrevem Sheil e
Murdiyarso. "Também oferece
uma motivação poderosa para
a conservação florestal."
"Há anos vínhamos tentando
quebrar a resistência dogmática dos meteorologistas", conta
o biogeoquímico Antonio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
Ele é o principal promotor da
conjetura M&G no Brasil e já
entrou em polêmica por causa
disso até com seus irmãos meteorologistas, Carlos e Paulo.
As equações e cálculos de
M&G, com base só na presença
ou ausência de matas no litoral,
parecem acomodar melhor o
que se observa no norte da África e na Amazônia. Graças à vegetação, os 8 milhões de km2 de
floresta amazônica bombeiam
a cada dia 20 trilhões de litros
de água para a atmosfera.
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