São Paulo, Segunda-feira, 10 de Maio de 1999
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FHC e Clinton devem discutir estação orbital

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
enviado especial a Washington

É bem provável que a participação do Brasil na Estação Espacial Internacional (ISS, em inglês) seja abordada hoje na conversa entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, dos EUA, prevista para durar 45 minutos.
Se isso ocorrer, FHC deverá dizer a Clinton o que a Folha ouviu do ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser Pereira, na quinta-feira passada: o país pretende cumprir seus compromissos, mas tem de resolver os problemas orçamentários que surgiram.
O mais urgente é pagar US$ 15 milhões à empresa aeroespacial Boeing, vencidos em dezembro de 1998, por estudos iniciais feitos para a confecção de seis equipamentos da ISS que o Brasil se encarregou de entregar à Nasa (a agência espacial norte-americana).
A Boeing havia dado um prazo fatal para o pagamento: 20 de maio. Mas, um mês antes, em 20 de abril, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), responsável técnico pela participação do Brasil na ISS, enviou à Boeing uma carta.
Nela, o Inpe explica os motivos do atraso e promete começar a pagar (US$ 3,6 milhões) até o dia 28.
A Boeing deve aceitar o novo prazo. A Nasa, por seu lado, diz que, por enquanto, o Brasil está em dia. Amanhã, chega a Brasília uma equipe da agência para examinar como vai o projeto no país.
Antes da avaliação desse time, disse à Folha Daniel Hedin, chefe do escritório de desenvolvimento espacial da Nasa, a agência não vai se manifestar sobre o Brasil.
Há uma certa apreensão entre dirigentes da Nasa em relação ao país, observada pela Folha na semana passada. Uma das seis partes que dependem do Brasil, o palete expresso para experimentação (Express), tem de estar pronta para entrega em meados de 2001.
O prazo é curto. O fato de o Brasil estar devendo e não ter incluído em seu Orçamento para 1999 nada para a ISS deixa a Nasa nervosa.
Não tanto quanto os atrasos russos porque, afinal, a tecnologia para fazer o Express está disponível nos próprios EUA. Se a coisa apertar, a Nasa pode encomendar o equipamento a uma empresa local.
O custo financeiro nem é muito significativo. Toda a participação do Brasil na ISS está calculada entre US$ 120 milhões e US$ 300 milhões. Muito pouco diante dos US$ 60 bilhões totais do projeto.
Mas o custo político pode ser alto. Em especial para o Brasil, mas também para os EUA, que irritaram aliados como Argentina e Israel ao preteri-los pelo Brasil.
Além disso, já há muito em andamento na participação brasileira, como os experimentos de cristalização de proteínas para fins médicos e o treinamento do major-aviador Marcos César Pontes para ser o primeiro astronauta do Brasil. Isso é o que o país ganha em troca dos seis equipamentos.
Há desacordo no governo brasileiro sobre a conveniência de o país se manter no projeto da ISS.
No Ministério da Aeronáutica, a maioria acha que os recursos do país para o setor aeroespacial devem se concentrar no Veículo Lançador de Satélites (VLS).
Os EUA não têm nenhuma simpatia pelo VLS. Nem mesmo o Canadá, um dos mais fortes parceiros dos EUA, tem um lançador -já que a oposição norte-americana é grande a qualquer projeto que possa resultar em portadores de mísseis de longa distância.
Por isso, para o governo dos EUA, é bem mais conveniente que o Brasil prefira a ISS ao VLS.
Também parece haver na Nasa a convicção de que serão grandes os benefícios da presença do Brasil na ISS para o país. O vice-diretor da Nasa para ciências da vida e microgravidade, Arnauld Nicogossian, se negou a dizer isso com clareza à Folha por receio, explicou, de parecer intrusivo aos brasileiros.
Mas Nicogossian não esconde seu entusiasmo pelas possíveis descobertas médicas que podem resultar do trabalho na ISS, e essa é uma das áreas de atuação do Brasil previstas em sua participação.
O combate a doenças tropicais (mal de Chagas, dengue, malária) se tornou uma das prioridades da Nasa na ISS. Sem a presença brasileira, essa meta será prejudicada.
Por isso, existe muita cautela, da parte dos responsáveis pela Nasa, ao abordar o tema Brasil na ISS.
Eles não querem ferir suscetibilidades, arvorar argumentos nacionalistas, capazes de inviabilizar a participação brasileira, já complicada por causa das dificuldades financeiras do país desde agosto de 1998.


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