São Paulo, domingo, 10 de junho de 2007

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+ Marcelo Gleiser

O filósofo do amor

Como o grego Empédocles via a força que torna a matéria coesa

C omo em dois dias estaremos celebrando o dia dos namorados (ou vocês estarão, pois aqui nos EUA a data é comemorada em 24 de fevereiro), achei oportuno refletir um pouco sobre como o amor está entrelaçado com as raízes da física. Nada parece mais absurdo, não é?
Amor e física juntos. Mas um dos grandes filósofos da Antiguidade, o grego Empédocles, pensava assim. Estamos falando de um passado remoto, em torno de 450 a.C., quando a física, ou mesmo o conceito de ciência como ela é entendida hoje, não existia. Tudo havia começado 150 anos antes, quando Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo grego, fez a pergunta que inaugurou a tradição intelectual que iria gerar, 2.000 anos mais tarde, o pensamento científico moderno: "De que tudo é feito? Qual é a composição material das coisas?" Tales e seus discípulos da chamada escola milesiana (mais um grupo de filósofos do que uma escola filosófica propriamente dita) deram respostas que demonstravam sua crença de que a n atureza é uma entidade viva, dinâmica, sempre em transformação. Tales afirmou que tudo é água, enquanto Anaxímenes disse que tudo é ar. Outro dos milesianos, o enigmático Heráclito, favorecia o fogo, devido à sua capacidade de transformar a matéria.
Cada um tinha a sua resposta para a essência material do cosmo. A coisa complicou quando Parmênides, o fundador de outra linha filosófica muito influente, dizia o oposto: se você quer entender a essência das coisas, não olhe para o que muda, mas para o que é imutável, eterno. Segundo ele, o que muda pode nos enganar. E agora? A essência da realidade é transformação ou o que é imutável?
É aqui que entra Empédocles. Seu objetivo era tentar resolver esse aparente impasse filosófico entre o que chamamos de filosofia do ser e do devir. Empédocles sugeriu -e parece que foi o primeiro a dizer isso- que a matéria tem quatro "raízes" (a palavra "elementos" surgiu mais tarde, mas vamos usá-la daqui por diante): terra, água, ar e fogo, portanto juntando três dos elementos sugeridos individualmente pelos milesianos. Ele postulou que esses quatro elementos são irredutíveis ou "fundamentais", ou seja, que eles não são compostos por outros elementos. Eles seriam a essência da matéria, eterna e imutável.
Para conciliar as duas linhas de pensamento, Empédocles sugeriu que os quatro elementos poderiam se combinar ou separar-se de acordo com a ação de duas tendências: o amor, que une, e a discórdia, que separa. Com isso, foi o primeiro a sugerir uma interação entre formas de matéria que pode ser tanto atrativa quanto repulsiva.
Através da ação dessas duas interações, os quatro elementos criam as transformações que produzem o caráter dinâmico da natureza, ora criando formas e padrões simples ou complexos por meio do amor, ora destruindo-os por meio da discórdia. Não é nada surpreendente que Empédocles tenha usado o amor para representar a união da matéria. Afinal, é o que vemos acontecer à nossa volta e nas nossas vidas. O que é surpreendente é que tenhamos esquecido essa construção poética da realidade, quando nos referimos apenas a forças de atração e de repulsão entre as partículas de matéria.
Mesmo que não possa ser chamado de ciência, o pensamento de Empédocles capturou a essência do que anima a natureza: a atração e a repulsão da matéria, desde suas formas mais simples e primitivas até as mais complexas, dos elétrons aos homens.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"


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