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+ Marcelo Gleiser
O filósofo do amor
Como o grego Empédocles via a força que torna a matéria coesa
C
omo em dois dias estaremos celebrando o dia dos namorados
(ou vocês estarão, pois aqui nos
EUA a data é comemorada em 24 de
fevereiro), achei oportuno refletir um
pouco sobre como o amor está entrelaçado com as raízes da física.
Nada parece mais absurdo, não é?
Amor e física juntos. Mas um dos
grandes filósofos da Antiguidade, o
grego Empédocles, pensava assim. Estamos falando de um passado remoto,
em torno de 450 a.C., quando a física,
ou mesmo o conceito de ciência como
ela é entendida hoje, não existia. Tudo
havia começado 150 anos antes, quando Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo grego, fez a pergunta
que inaugurou a tradição intelectual
que iria gerar, 2.000 anos mais tarde,
o pensamento científico moderno:
"De que tudo é feito? Qual é a composição material das coisas?"
Tales e seus discípulos da chamada
escola milesiana (mais um grupo de filósofos do que uma escola filosófica
propriamente dita) deram respostas
que demonstravam sua crença de que
a n atureza é uma entidade viva, dinâmica, sempre em transformação. Tales afirmou que tudo é água, enquanto
Anaxímenes disse que tudo é ar. Outro dos milesianos, o enigmático Heráclito, favorecia o fogo, devido à sua
capacidade de transformar a matéria.
Cada um tinha a sua resposta para a
essência material do cosmo.
A coisa complicou quando Parmênides, o fundador de outra linha filosófica muito influente, dizia o oposto:
se você quer entender a essência das
coisas, não olhe para o que muda, mas
para o que é imutável, eterno. Segundo ele, o que muda pode nos enganar.
E agora? A essência da realidade é
transformação ou o que é imutável?
É aqui que entra Empédocles. Seu
objetivo era tentar resolver esse aparente impasse filosófico entre o que
chamamos de filosofia do ser e do devir. Empédocles sugeriu -e parece
que foi o primeiro a dizer isso- que a
matéria tem quatro "raízes" (a palavra
"elementos" surgiu mais tarde, mas
vamos usá-la daqui por diante): terra,
água, ar e fogo, portanto juntando três
dos elementos sugeridos individualmente pelos milesianos. Ele postulou
que esses quatro elementos são irredutíveis ou "fundamentais", ou seja,
que eles não são compostos por outros elementos. Eles seriam a essência
da matéria, eterna e imutável.
Para conciliar as duas linhas de pensamento, Empédocles sugeriu que os
quatro elementos poderiam se combinar ou separar-se de acordo com a
ação de duas tendências: o amor, que
une, e a discórdia, que separa. Com isso, foi o primeiro a sugerir uma interação entre formas de matéria que pode
ser tanto atrativa quanto repulsiva.
Através da ação dessas duas interações, os quatro elementos criam as
transformações que produzem o caráter dinâmico da natureza, ora criando
formas e padrões simples ou complexos por meio do amor, ora destruindo-os por meio da discórdia.
Não é nada surpreendente que Empédocles tenha usado o amor para representar a união da matéria. Afinal, é
o que vemos acontecer à nossa volta e
nas nossas vidas. O que é surpreendente é que tenhamos esquecido essa
construção poética da realidade,
quando nos referimos apenas a forças
de atração e de repulsão entre as partículas de matéria.
Mesmo que não possa ser chamado
de ciência, o pensamento de Empédocles capturou a essência do que anima
a natureza: a atração e a repulsão da
matéria, desde suas formas mais simples e primitivas até as mais complexas, dos elétrons aos homens.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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