São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Suspeito e vítima

Estudo com DNA sugere que neandertais nunca se miscigenaram com humanos; possivelmente foram mortos por eles

STEVE CONNOR
DO "INDEPENDENT"

O mistério sobre o que matou os neandertais 30 mil anos atrás chegou um pouco mais perto da solução agora, com um estudo sugerindo que eles formaram uma pequena população que vagava cambaleando á beira a extinção.
Os neandertais apareceram na Europa pela primeira vez há 300 mil anos, mas desapareceram depois da chegada do Homo sapiens à região, 50 mil anos atrás. Isso levou à especulação sobre se as duas espécies se miscigenaram para formar uma população híbrida, que ainda deixaria vestígios no repositório genético humano. Pode ser que os neandertais tenham sido simplesmente aniquilados pelos humanos modernos, em guerras ou na disputa por alimento e recursos.
A última evidência, uma análise de DNA resgatada de um fêmur fossilizado de 38 mil anos, sugere que os neandertais não se misturaram com os humanos modernos.
O material genético, retirado de um neandertal adulto que viveu perto de cavernas na Croácia indica que os neandertais europeus nunca chegaram a somar mais de 10 mil indivíduos vivos -uma população precariamente pequena.
A nova evidência sobre a derrocada dos neandertais vem de um seqüenciamento completo do DNA dentro de estruturas celulares chamadas mitocôndrias. Esse DNA mitocondrial é sempre passado de mães para filhos e é mais fácil de recuperar de ossos antigos do que o DNA convencional encontrado nos núcleos das células.
Os cientistas refizeram o seqüenciamento 35 vezes para se certificarem de que haviam obtido a seqüência correta para comparar com o DNA mitocondrial de humanos e chimpanzés -a espécie viva mais próxima da humana.
"Pela primeira vez, construímos uma seqüência a partir de DNA antigo que, essencialmente, não tem erros", diz Richard Green, que liderou a pesquisa no Instituto Max Planck para Antropologia Evolutiva, em Leipzig (Alemanha). "Ainda é uma questão aberta para o futuro saber se esse pequeno grupo de neandertais foi uma situação permanente ou se foi causado por um estreitamento do tamanho de sua população que aconteceu em um momento mais tardio", diz Green.
Saber qual foi o grau de interação entre humanos e neandertais, porém, é mais difícil.

Encontro casual
"Não há provas de que eles tenham se visto, apenas de que eles habitaram o mesmo lugar mais ou menos ao mesmo tempo, mas acho provável que eles tenham topado um com o outro", diz Adrian Briggs, pesquisador do Max Planck.
"O que nós fizemos foi confirmar que o DNA mitocondrial dos neandertais e humanos modernos era tão diferente que fornece uma evidência poderosa de que houve pouca miscigenação, se é que houve, entre as duas espécies", diz Briggs. "Temos também sugestivas evidências de que os neandertais formaram uma pequena população, e só podemos especular sobre o que lhes aconteceu. Populações pequenas são sempre mais vulneráveis à extinção."
Especulações sobre quem foram os neandertais e sobre o que aconteceu a eles têm sido feitas desde que o primeiro crânio da espécie foi descoberto no vale do rio Neander, na Alemanha, em 1856.
Já é consenso que eles não foram ancestrais diretos dos humanos modernos, e sim um galho paralelo na árvore genealógica dos primatas. Alguns antropólogos, porém, mantêm a crença de que eles se miscigenaram com os humanos em algum momento, o que significaria que cada um de nós tem um pouquinho de DNA neandertal.
Essa teoria, porém, não ganha muito apoio no corpo de conhecimento formado por diversos estudos genéticos, incluindo o último, publicado na revista "Cell". Ele sugere que o último ancestral comum entre humanos e neandertais viveu há 660 mil anos -muito antes do surgimento do Homo sapiens como espécie distinta na África, há cerca de 100 mil anos.

Cara feia
Apesar disso, os autores do trabalho reconhecem que não podem descartar a possibilidade de uma miscigenação em pequena escala entre neandertais e humanos modernos.
Uma das melhores evidências para esta idéia surgiu há uns dez anos, quando foi achado na Espanha o esqueleto de um garoto morto há 25 mil anos. Seus traços sugeriam que talvez ele fosse um híbrido de neandertal e Cro-Magnon, mas alguns cientistas acreditam que ele fora apenas um humano com feições rudes.
Apesar das evidências de um encontro entre neandertais e humanos serem vagas, antropólogos não se furtam de imaginar como ele pode ter sido.
"Quando as populações se encontrara, elas viam uma à outra simplesmente como pessoas, inimigos, estrangeiros ou presas?", diz Chris Stringer, do Museu de História Nacional de Londres. "Nós simplesmente não sabemos a resposta, e a resposta pode ter variado dependendo do tempo e da região, haja vista os caprichos do comportamento humano."


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