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GENÉTICA
Alec Jeffreys, que descobriu a técnica há exatos 20 anos, critica inclusão de suspeitos de crimes em banco de dados
Pai do teste de DNA teme discriminação
ROGERIO WASSERMANN
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LEICESTER
O geneticista britânico Alec Jeffreys, 54, guarda com orgulho em
seu laboratório na Universidade
de Leicester, no Reino Unido, um
papel que para a maioria das pessoas poderia não passar de uma
radiografia mal feita e gasta.
Trata-se, no entanto, do registro
da primeira identificação por
DNA, técnica descoberta por ele
há exatamente 20 anos e que provocou uma revolução na medicina a partir de então. Hoje a técnica é usada em grande escala para
investigações criminais, testes de
paternidade e identificação de ossadas, entre outras aplicações.
"Nunca podia imaginar, naquela manhã de setembro de 1984,
que estava diante de uma tecnologia que já teve até hoje um impacto direto sobre a vida de cerca de
10 milhões de pessoas em todo o
mundo", disse Jeffreys a um grupo de jornalistas em um evento
realizado para marcar a data.
Jeffreys foi responsável pela autenticação científica do primeiro
caso de clonagem de um mamífero, ao comprovar que a ovelha
Dolly possuía a mesma seqüência
de DNA que a ovelha da qual foi
tirado o material para a clonagem.
Ele também foi convocado para
comprovar que uma ossada encontrada em 1985 num cemitério
do Embu, no Estado de São Paulo,
era mesmo do carrasco nazista Josef Mengele. A identificação pela
arcada dentária, feita por peritos
brasileiros, não era reconhecida
pelo governo de Israel. Por meio
de DNA colhido da mulher e do
filho de Mengele, Jeffreys ratificou
a identificação dos brasileiros.
Privacidade em risco
Apesar do entusiasmo com o
desenvolvimento de sua descoberta, Jeffreys admite que existem
problemas potenciais na disseminação dos testes de DNA. "Há riscos à privacidade genética."
O Reino Unido foi pioneiro ao
montar, em 1995, um banco de
dados com perfis de DNA de criminosos condenados, a partir do
qual é possível identificá-los caso
cometam outro crime. Esse banco
de dados conta hoje com cerca de
2,5 milhões de perfis. Países como
o Canadá e os EUA, também têm
arquivos semelhantes.
"Não tenho nenhuma restrição
a que pessoas condenadas tenham seu DNA compulsoriamente colocado no banco de dados. Acho que se você cometeu
um crime, dada a porcentagem de
pessoas que voltam a delinqüir,
seria até irresponsável não fazê-lo", diz Jeffreys.
Mas ele critica o fato de a polícia
britânica manter em seu banco de
dados também os perfis de DNA
de suspeitos de crimes que foram
posteriormente absolvidos. "Isso
é discriminatório, porque parte
do princípio de que essas pessoas
[absolvidas] têm mais chances de
cometer um delito do que as demais", avalia. Ele diz que a base teria de ser mantida somente com
os perfis dos condenados ou então ampliada para abranger todos
os cidadãos do país.
Segundo Jeffreys, os pedaços de
DNA usados para a identificação
contêm pouca ou nenhuma informação relevante sobre o histórico
médico, a origem étnica e as características físicas da pessoa, mas
ele diz que existe a possibilidade
de alguém querer testar as amostras originais de DNA em busca
dessas informações.
"Em alguns casos, quando a pista de DNA não bate com nenhuma do banco de dados, a lógica seria aumentar a base de comparação. Mas há quem defenda um caminho menos lógico, que seria extrair informações do DNA sobre a
aparência física da pessoa, para
saber se é um homem ou uma
mulher, a cor do cabelo, a cor do
olho, origem étnica e até alguns
traços faciais", afirma.
"Esse tipo de identificação ainda é ficção científica. Além disso,
não dá para saber, com base no
DNA, a idade da pessoa, o que pode alterar significativamente sua
aparência", diz ele. "Há também
objeções éticas sobre esse uso. A
polícia vai estar olhando para informações que podem ter significado médico, como a presença de
malformações genéticas. A polícia não deveria ter acesso a esse tipo de informações", afirma.
Nome popular
A descoberta da técnica de identificação por DNA ocorreu de maneira acidental, como subproduto
das pesquisas de Jeffreys sobre variações e mutações genéticas entre diferentes gerações.
Jeffreys diz que não imaginava
que a utilização em larga escala
fosse ocorrer tão rapidamente.
Para ele, isso ocorreu em grande
parte ao nome que deu à descoberta: "DNA fingerprinting" (impressões digitais de DNA), baseado na idéia de que assim como como as impressões digitais o DNA
varia de pessoa para pessoa,
criando uma marca única que só
se repete em gêmeos idênticos.
Mas graças ao grande impacto
que a descoberta teve na mídia à
época, em poucas semanas ela teve seu primeiro teste prático, utilizada como prova pela Justiça britânica em um caso de imigração.
Jeffreys comprovou, por testes de
DNA, que um garoto ganês a
quem o visto de permanência no
Reino Unido havia sido negado
era filho de uma cidadã britânica
e, portanto, podia ficar no país.
"Tenho um grande orgulho em
saber que essa nova tecnologia foi
responsável por reunir milhares
de famílias que em outra situação
estariam separadas."
Não demorou muito depois disso para que a técnica fosse utilizada pela primeira vez numa investigação criminal. Um britânico
acusado por dois estupros seguidos de assassinato foi inocentado
a partir de provas de DNA feitas
por Jeffreys. Desde então, os testes
se popularizaram a ponto de serem hoje, como ele aponta, norma em casos criminais.
"O principal desafio para o futuro é conseguir acelerar o processo. Seria útil se conseguíssemos
fazer os testes em questão de minutos, não em horas", afirma Jeffreys. "Além disso, se conseguíssemos miniaturizar a tecnologia
utilizada, poderíamos fazer os testes no local do crime."
O jornalista Rogerio Wassermann viajou de Londres a Leicester a convite do
Ministério do Exterior britânico
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