São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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GENÉTICA

Alec Jeffreys, que descobriu a técnica há exatos 20 anos, critica inclusão de suspeitos de crimes em banco de dados

Pai do teste de DNA teme discriminação

ROGERIO WASSERMANN
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LEICESTER

O geneticista britânico Alec Jeffreys, 54, guarda com orgulho em seu laboratório na Universidade de Leicester, no Reino Unido, um papel que para a maioria das pessoas poderia não passar de uma radiografia mal feita e gasta.
Trata-se, no entanto, do registro da primeira identificação por DNA, técnica descoberta por ele há exatamente 20 anos e que provocou uma revolução na medicina a partir de então. Hoje a técnica é usada em grande escala para investigações criminais, testes de paternidade e identificação de ossadas, entre outras aplicações.
"Nunca podia imaginar, naquela manhã de setembro de 1984, que estava diante de uma tecnologia que já teve até hoje um impacto direto sobre a vida de cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo", disse Jeffreys a um grupo de jornalistas em um evento realizado para marcar a data.
Jeffreys foi responsável pela autenticação científica do primeiro caso de clonagem de um mamífero, ao comprovar que a ovelha Dolly possuía a mesma seqüência de DNA que a ovelha da qual foi tirado o material para a clonagem.
Ele também foi convocado para comprovar que uma ossada encontrada em 1985 num cemitério do Embu, no Estado de São Paulo, era mesmo do carrasco nazista Josef Mengele. A identificação pela arcada dentária, feita por peritos brasileiros, não era reconhecida pelo governo de Israel. Por meio de DNA colhido da mulher e do filho de Mengele, Jeffreys ratificou a identificação dos brasileiros.

Privacidade em risco
Apesar do entusiasmo com o desenvolvimento de sua descoberta, Jeffreys admite que existem problemas potenciais na disseminação dos testes de DNA. "Há riscos à privacidade genética."
O Reino Unido foi pioneiro ao montar, em 1995, um banco de dados com perfis de DNA de criminosos condenados, a partir do qual é possível identificá-los caso cometam outro crime. Esse banco de dados conta hoje com cerca de 2,5 milhões de perfis. Países como o Canadá e os EUA, também têm arquivos semelhantes.
"Não tenho nenhuma restrição a que pessoas condenadas tenham seu DNA compulsoriamente colocado no banco de dados. Acho que se você cometeu um crime, dada a porcentagem de pessoas que voltam a delinqüir, seria até irresponsável não fazê-lo", diz Jeffreys.
Mas ele critica o fato de a polícia britânica manter em seu banco de dados também os perfis de DNA de suspeitos de crimes que foram posteriormente absolvidos. "Isso é discriminatório, porque parte do princípio de que essas pessoas [absolvidas] têm mais chances de cometer um delito do que as demais", avalia. Ele diz que a base teria de ser mantida somente com os perfis dos condenados ou então ampliada para abranger todos os cidadãos do país.
Segundo Jeffreys, os pedaços de DNA usados para a identificação contêm pouca ou nenhuma informação relevante sobre o histórico médico, a origem étnica e as características físicas da pessoa, mas ele diz que existe a possibilidade de alguém querer testar as amostras originais de DNA em busca dessas informações.
"Em alguns casos, quando a pista de DNA não bate com nenhuma do banco de dados, a lógica seria aumentar a base de comparação. Mas há quem defenda um caminho menos lógico, que seria extrair informações do DNA sobre a aparência física da pessoa, para saber se é um homem ou uma mulher, a cor do cabelo, a cor do olho, origem étnica e até alguns traços faciais", afirma.
"Esse tipo de identificação ainda é ficção científica. Além disso, não dá para saber, com base no DNA, a idade da pessoa, o que pode alterar significativamente sua aparência", diz ele. "Há também objeções éticas sobre esse uso. A polícia vai estar olhando para informações que podem ter significado médico, como a presença de malformações genéticas. A polícia não deveria ter acesso a esse tipo de informações", afirma.

Nome popular
A descoberta da técnica de identificação por DNA ocorreu de maneira acidental, como subproduto das pesquisas de Jeffreys sobre variações e mutações genéticas entre diferentes gerações.
Jeffreys diz que não imaginava que a utilização em larga escala fosse ocorrer tão rapidamente. Para ele, isso ocorreu em grande parte ao nome que deu à descoberta: "DNA fingerprinting" (impressões digitais de DNA), baseado na idéia de que assim como como as impressões digitais o DNA varia de pessoa para pessoa, criando uma marca única que só se repete em gêmeos idênticos.
Mas graças ao grande impacto que a descoberta teve na mídia à época, em poucas semanas ela teve seu primeiro teste prático, utilizada como prova pela Justiça britânica em um caso de imigração. Jeffreys comprovou, por testes de DNA, que um garoto ganês a quem o visto de permanência no Reino Unido havia sido negado era filho de uma cidadã britânica e, portanto, podia ficar no país.
"Tenho um grande orgulho em saber que essa nova tecnologia foi responsável por reunir milhares de famílias que em outra situação estariam separadas."
Não demorou muito depois disso para que a técnica fosse utilizada pela primeira vez numa investigação criminal. Um britânico acusado por dois estupros seguidos de assassinato foi inocentado a partir de provas de DNA feitas por Jeffreys. Desde então, os testes se popularizaram a ponto de serem hoje, como ele aponta, norma em casos criminais.
"O principal desafio para o futuro é conseguir acelerar o processo. Seria útil se conseguíssemos fazer os testes em questão de minutos, não em horas", afirma Jeffreys. "Além disso, se conseguíssemos miniaturizar a tecnologia utilizada, poderíamos fazer os testes no local do crime."


O jornalista Rogerio Wassermann viajou de Londres a Leicester a convite do Ministério do Exterior britânico


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