São Paulo, segunda-feira, 10 de setembro de 2007

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ENTREVISTA - YVO DE BOER

País pobre poderá ter meta mais leve de corte de gases

Chefe da Convenção do Clima diz que compromisso pós-Kyoto não é "preto ou branco"

Ronald Zak - 27.ago.2007/Associated Press
O holandês Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima nas Nações Unidas


O secretário-executivo da Convenção do Clima das Nações Unidas, o holandês Yvo de Boer, tem um recado para os países em desenvolvimento que se recusam a aceitar metas de redução de gases de efeito estufa em nome do tal princípio das responsabilidades diferenciadas: ""diferenciado" deveria significar mais do que preto ou branco", afirma. "Mesmo com essa noção de metas obrigatórias, existe uma variedade de caminhos que você pode seguir".

De Boer diz que os países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, deverão, sim, assumir metas de redução de emissões dos gases que esquentam o planeta na segunda fase do Protocolo de Kyoto, o acordo mundial contra o efeito estufa que expira em 2012.
Mas essas metas não precisam ter o mesmo rigor que tiveram em Kyoto para os países industrializados. Os compromissos poderão ser assumidos de uma maneira "light", em fases, de acordo com a situação particular de cada nação.
"Você pode pensar em alguns países em desenvolvimento se comprometendo a melhorar a eficiência energética em alguns setores de sua economia, e nos países menos desenvolvidos apenas fazendo esforços para reduzir suas emissões por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo", afirma.
O tom de conciliação de De Boer tem endereço certo: a resistência dos países pobres, especialmente da China a adotar compromissos obrigatórios no período pós-Kyoto, é um dos grandes obstáculos à negociação de um acordo global para tentar salvar o planeta dos piores efeitos do aquecimento.
Os princípios desse novo acordo deverão ser estabelecidos em dezembro, numa conferência dos países-membros da Convenção do Clima em Bali, na Indonésia. Na sexta-feira retrasada, o primeiro passo dessa negociação foi dado em Viena, quando mais de 150 países concordaram que um objetivo de redução global de 25% a 40% das emissões até 2020 em relação aos níveis de 1990 é um "parâmetro útil" para discussões. Sem um compromisso dos gigantes do Terceiro Mundo e dos EUA será impossível reduzir as descargas de gás carbônico à metade até 2050 -condição necessária para evitar o aquecimento catastrófico.
Em entrevista à Folha, De Boer fala sobre o tamanho do impasse e suas possíveis soluções. Leia a seguir. (CLAUDIO ANGELO)
 

FOLHA - Parte da imprensa mundial considerou um sucesso a reunião de Viena. Parte disse que o resultado foi maculado pela resistência de algumas nações industriais. Que lado tem razão aqui?
YVO DE BOER -
Provavelmente ambos (risos). É difícil para alguns países industrializados adotar um compromisso sem saber ainda qual será o grande negócio em Bali. Do lado positivo, os países concordaram com um intervalo que deve guiar a redução de emissões até 2020.
A grande vitória para mim é que agora será muito difícil imaginar que um país industrializado ofereça uma meta menor que esse intervalo, de 25% a 40% de redução de emissões em relação a 1990 até 2020. Isso talvez seja mais do que eu estava esperando.

FOLHA - E qual é o grande negócio em Bali? O que se espera de lá?
DE BOER -
Depende de com quem você fala. A imensa maioria dos países está esperando um mandato para começar a negociar uma política de mudança climática além de 2012. Posto isso, há alguns países, como a China, que no encontro em Viena expressaram hesitação sobre isso, e disseram que prefeririam continuar as conversas informais. Mas ao mesmo tempo a delegação chinesa indicou que queria um instrumento legal na questão tecnológica, e eu acho que isso é sinal de uma posição flexível. Você não pode continuar as conversas informais e ao mesmo tempo querer um instrumento legal sobre tecnologia.

FOLHA - Sairá do encontro de Bali uma meta global de emissões?
DE BOER -
Não. Eu não acho que Bali acordará uma meta. Bali talvez produza um objetivo de longo prazo, por exemplo, de que as emissões precisem ser reduzidas à metade até meados deste século.

FOLHA - O sr. deu uma entrevista à rede BBC na semana retrasada dizendo que os países ricos deveriam poder pagar para se livrar de 100% de suas responsabilidades. Isso não contraria o espírito de Kyoto?
DE BOER -
O título dado àquela entrevista é algo que eu nunca disse. E eu não acho que os países ricos devam fazer isso. Tanto a Convenção do Clima quanto o Protocolo de Kyoto afirmam claramente que os países industrializados precisam assumir a liderança com ações domésticas. Posto isso, duas coisas são importantes: primeiro, há muitas opções baratas de redução de emissões disponíveis nos países em desenvolvimento, e a atmosfera não liga para onde as emissões são reduzidas. Segundo, ao utilizar essas opções, você está fazendo um investimento no crescimento limpo desses países.

FOLHA - Então, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) deveria ser expandido?
DE BOER -
Sim, você pode continuar o MDL ou permitir um mecanismo de finanças de carbono que seja mais ligado às políticas e prioridades dos países em desenvolvimento. Por exemplo: a China tem o objetivo de chegar a 20% de energia renovável. Acho que deveríamos pensar na possibilidade de investir em um programa de energia limpa como o que a China sugere, que deveria lhe dar créditos de carbono em troca. Embora o MDL seja útil, você poderia pensar em complementá-lo ao dar créditos de carbono também para investimentos em energia mais limpa.

FOLHA - Neste mês será realizada uma conferência em Washington para debater as emissões de gases-estufa. O sr. acha que o presidente George W. Bush, que rejeitou Kyoto, se converteu?
DE BOER -
Eu acho que o presidente Bush deixou claro que ele não está mais questionando a ciência. Acho que há uma mudança na posição da administração americana, que eu acho que é positiva.

FOLHA - Se o sr. tivesse a chance de fazer uma única pergunta a Bush para saber quais são as reais intenções dele, que pergunta faria?
DE BOER -
(Pausa) Eu não tinha pensado nisso... acho que perguntaria se, uma vez que os EUA estão a favor de que os países ofereçam objetivos de redução de emissões, o que os EUA, ao mostrarem liderança nesse encontro de Washington, ofereceriam como seu objetivo?

FOLHA - O sr. acha que os países pobres vão assumir metas obrigatórias, mas mais leves, na extensão do acordo de Kyoto?
DE BOER -
Pelo Protocolo de Kyoto, todos os países têm a obrigação de reduzir emissões. Mas Kyoto também diz que os países ricos têm de prover os países em desenvolvimento com os recursos para fazê-lo. Boa parte do debate futuro é como tornar esse conceito operacional. Talvez não seja preciso mudar nenhuma palavra na linguagem da Convenção [do Clima] das Nações Unidas, porque a linguagem já está lá. Talvez nós devamos pensar em uma abordagem muito mais diferenciada, na qual diferentes tipos de recompensa ou incentivo são oferecidos para diferentes tipos de ação. Como, por exemplo, expandir o mercado de carbono para que ele possa apoiar políticas de governo.

FOLHA - Os países em desenvolvimento ainda se prendem muito ao conceito das "responsabilidades comuns mas diferenciadas", ou seja, os países ricos, que causaram o problema, devem resolvê-lo. Esse discurso está caduco?
DE BOER -
"Comum mas diferenciado", para mim, deveria significar mais do que duas coisas, mais do que preto ou branco. Eu acho que "diferenciado" significa que você tem mais de duas opções, que levam em conta as diferentes circunstâncias dos diferentes países. Sob a convenção, os países industrializados foram obrigados, mas não legalmente, a reduzir suas emissões abaixo dos níveis de 1990. E na próxima fase, a de Kyoto, eles passaram a ter compromissos legais. Então talvez devêssemos pensar em uma abordagem em fases para os países em desenvolvimento também. Talvez com alguns países em desenvolvimento se comprometendo, mas não legalmente, a limitar suas emissões. Você pode pensar em alguns países em desenvolvimento se comprometerem a melhorar a eficiência energética em alguns setores de sua economia, e pode pensar nos países menos desenvolvidos apenas fazerem esforços para reduzir emissões por meio do MDL. Talvez nós precisemos transformar "diferenciado" em mais do que preto ou branco.

FOLHA - Então tudo se resume a um problema de interpretação?
DE BOER -
Até agora, nós só temos feito a distinção entre países que têm metas e países que não têm. Há países dentro de Kyoto que se comprometeram a reduzir suas emissões em 20%, e há países que se comprometeram a aumentar suas emissões em 20%. Mesmo com essa noção de meta obrigatória, existe uma variedade de caminhos que você pode seguir.

FOLHA - Como o sr. vê o papel do Brasil nas negociações? Tem sido dito que o país tem sido muito reativo.
DE BOER -
De jeito nenhum! O Brasil tem sido um dos mais estridentes em dizer que a hora das discussões informais acabou e que nós precisamos começar as negociações formais. Brasil e África do Sul, juntos, têm sido mais eloqüentes que muitos países industrializados.

FOLHA - O Brasil está propondo um esquema pelo qual os países ricos criariam um fundo para financiar a redução das emissões por desmatamento nos países tropicais. Isso tem chance de ser aprovado em Bali?
DE BOER -
O que eu acho interessante na proposta é que ela torna claro que nós estamos tentando falar de três coisas: há gente falando de evitar desmatamento, de conservar florestas e há ainda gente falando de manejo florestal sustentável. A proposta brasileira está tentando partir a questão de forma a torná-la mais clara, e também tentando assegurar que nós focalizemos aquilo que deve ser o foco, a saber, emissões resultantes do desmatamento.

FOLHA - No geral, então, é uma boa idéia...
DE BOER -
É algo que precisamos explorar mais. Em Viena eu ouvi alguns países falando em evitar emissões por desmatamento evitado, outros países falando em evitar emissões devido a políticas de controle de natalidade e outros ainda de evitar emissões por não extrair petróleo que está no subsolo! Sabe, até onde você vai?


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