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ENTREVISTA - YVO DE BOER
País pobre poderá ter meta mais leve de corte de gases
Chefe da Convenção do Clima diz que compromisso pós-Kyoto não é "preto ou branco"
Ronald Zak - 27.ago.2007/Associated Press
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O holandês Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima nas Nações Unidas |
O secretário-executivo da Convenção do Clima das
Nações Unidas, o holandês Yvo de Boer, tem um recado para os países em desenvolvimento que se recusam
a aceitar metas de redução de gases de efeito estufa
em nome do tal princípio das responsabilidades diferenciadas: ""diferenciado" deveria significar mais do
que preto ou branco", afirma. "Mesmo com essa noção de metas obrigatórias, existe uma variedade de caminhos que você pode seguir".
De Boer diz que os países em
desenvolvimento, como China,
Índia e Brasil, deverão, sim, assumir metas de redução de
emissões dos gases que esquentam o planeta na segunda fase
do Protocolo de Kyoto, o acordo mundial contra o efeito estufa que expira em 2012.
Mas essas metas não precisam ter o mesmo rigor que tiveram em Kyoto para os países
industrializados. Os compromissos poderão ser assumidos
de uma maneira "light", em fases, de acordo com a situação
particular de cada nação.
"Você pode pensar em alguns
países em desenvolvimento se
comprometendo a melhorar a
eficiência energética em alguns
setores de sua economia, e nos
países menos desenvolvidos
apenas fazendo esforços para
reduzir suas emissões por meio
do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo", afirma.
O tom de conciliação de De
Boer tem endereço certo: a resistência dos países pobres, especialmente da China a adotar
compromissos obrigatórios no
período pós-Kyoto, é um dos
grandes obstáculos à negociação de um acordo global para
tentar salvar o planeta dos piores efeitos do aquecimento.
Os princípios desse novo
acordo deverão ser estabelecidos em dezembro, numa conferência dos países-membros da
Convenção do Clima em Bali,
na Indonésia. Na sexta-feira retrasada, o primeiro passo dessa
negociação foi dado em Viena,
quando mais de 150 países concordaram que um objetivo de
redução global de 25% a 40%
das emissões até 2020 em relação aos níveis de 1990 é um "parâmetro útil" para discussões.
Sem um compromisso dos gigantes do Terceiro Mundo e
dos EUA será impossível reduzir as descargas de gás carbônico à metade até 2050 -condição necessária para evitar o
aquecimento catastrófico.
Em entrevista à Folha, De
Boer fala sobre o tamanho do
impasse e suas possíveis soluções. Leia a seguir.
(CLAUDIO ANGELO)
FOLHA - Parte da imprensa mundial considerou um sucesso a reunião de Viena. Parte disse que o resultado foi maculado pela resistência de algumas nações industriais.
Que lado tem razão aqui?
YVO DE BOER - Provavelmente
ambos (risos). É difícil para alguns países industrializados
adotar um compromisso sem
saber ainda qual será o grande
negócio em Bali. Do lado positivo, os países concordaram com
um intervalo que deve guiar a
redução de emissões até 2020.
A grande vitória para mim é
que agora será muito difícil
imaginar que um país industrializado ofereça uma meta
menor que esse intervalo, de
25% a 40% de redução de emissões em relação a 1990 até
2020. Isso talvez seja mais do
que eu estava esperando.
FOLHA - E qual é o grande negócio
em Bali? O que se espera de lá?
DE BOER - Depende de com
quem você fala. A imensa maioria dos países está esperando
um mandato para começar a
negociar uma política de mudança climática além de 2012.
Posto isso, há alguns países, como a China, que no encontro
em Viena expressaram hesitação sobre isso, e disseram que
prefeririam continuar as conversas informais. Mas ao mesmo tempo a delegação chinesa
indicou que queria um instrumento legal na questão tecnológica, e eu acho que isso é sinal
de uma posição flexível. Você
não pode continuar as conversas informais e ao mesmo tempo querer um instrumento legal sobre tecnologia.
FOLHA - Sairá do encontro de Bali
uma meta global de emissões?
DE BOER - Não. Eu não acho que
Bali acordará uma meta. Bali
talvez produza um objetivo de
longo prazo, por exemplo, de
que as emissões precisem ser
reduzidas à metade até meados
deste século.
FOLHA - O sr. deu uma entrevista à
rede BBC na semana retrasada dizendo que os países ricos deveriam
poder pagar para se livrar de 100%
de suas responsabilidades. Isso não
contraria o espírito de Kyoto?
DE BOER - O título dado àquela
entrevista é algo que eu nunca
disse. E eu não acho que os países ricos devam fazer isso. Tanto a Convenção do Clima quanto o Protocolo de Kyoto afirmam claramente que os países
industrializados precisam assumir a liderança com ações
domésticas. Posto isso, duas
coisas são importantes: primeiro, há muitas opções baratas de
redução de emissões disponíveis nos países em desenvolvimento, e a atmosfera não liga
para onde as emissões são reduzidas. Segundo, ao utilizar
essas opções, você está fazendo
um investimento no crescimento limpo desses países.
FOLHA - Então, o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL) deveria ser expandido?
DE BOER - Sim, você pode continuar o MDL ou permitir um
mecanismo de finanças de carbono que seja mais ligado às políticas e prioridades dos países
em desenvolvimento. Por
exemplo: a China tem o objetivo de chegar a 20% de energia
renovável. Acho que deveríamos pensar na possibilidade de
investir em um programa de
energia limpa como o que a
China sugere, que deveria lhe
dar créditos de carbono em troca. Embora o MDL seja útil, você poderia pensar em complementá-lo ao dar créditos de
carbono também para investimentos em energia mais limpa.
FOLHA - Neste mês será realizada
uma conferência em Washington
para debater as emissões de gases-estufa. O sr. acha que o presidente
George W. Bush, que rejeitou Kyoto,
se converteu?
DE BOER - Eu acho que o presidente Bush deixou claro que ele
não está mais questionando a
ciência. Acho que há uma mudança na posição da administração americana, que eu acho
que é positiva.
FOLHA - Se o sr. tivesse a chance de
fazer uma única pergunta a Bush
para saber quais são as reais intenções dele, que pergunta faria?
DE BOER - (Pausa) Eu não tinha
pensado nisso... acho que perguntaria se, uma vez que os
EUA estão a favor de que os países ofereçam objetivos de redução de emissões, o que os EUA,
ao mostrarem liderança nesse
encontro de Washington, ofereceriam como seu objetivo?
FOLHA - O sr. acha que os países pobres vão assumir metas obrigatórias, mas mais leves, na extensão do
acordo de Kyoto?
DE BOER - Pelo Protocolo de
Kyoto, todos os países têm a
obrigação de reduzir emissões.
Mas Kyoto também diz que os
países ricos têm de prover os
países em desenvolvimento
com os recursos para fazê-lo.
Boa parte do debate futuro é
como tornar esse conceito operacional. Talvez não seja preciso mudar nenhuma palavra na
linguagem da Convenção [do
Clima] das Nações Unidas, porque a linguagem já está lá. Talvez nós devamos pensar em
uma abordagem muito mais diferenciada, na qual diferentes
tipos de recompensa ou incentivo são oferecidos para diferentes tipos de ação. Como, por
exemplo, expandir o mercado
de carbono para que ele possa
apoiar políticas de governo.
FOLHA - Os países em desenvolvimento ainda se prendem muito ao
conceito das "responsabilidades comuns mas diferenciadas", ou seja,
os países ricos, que causaram o problema, devem resolvê-lo. Esse discurso está caduco?
DE BOER - "Comum mas diferenciado", para mim, deveria
significar mais do que duas coisas, mais do que preto ou branco. Eu acho que "diferenciado"
significa que você tem mais de
duas opções, que levam em
conta as diferentes circunstâncias dos diferentes países. Sob a
convenção, os países industrializados foram obrigados, mas
não legalmente, a reduzir suas
emissões abaixo dos níveis de
1990. E na próxima fase, a de
Kyoto, eles passaram a ter compromissos legais. Então talvez
devêssemos pensar em uma
abordagem em fases para os
países em desenvolvimento
também. Talvez com alguns
países em desenvolvimento se
comprometendo, mas não legalmente, a limitar suas emissões. Você pode pensar em alguns países em desenvolvimento se comprometerem a
melhorar a eficiência energética em alguns setores de sua
economia, e pode pensar nos
países menos desenvolvidos
apenas fazerem esforços para
reduzir emissões por meio do
MDL. Talvez nós precisemos
transformar "diferenciado" em
mais do que preto ou branco.
FOLHA - Então tudo se resume a
um problema de interpretação?
DE BOER - Até agora, nós só temos feito a distinção entre países que têm metas e países que
não têm. Há países dentro de
Kyoto que se comprometeram
a reduzir suas emissões em
20%, e há países que se comprometeram a aumentar suas
emissões em 20%. Mesmo com
essa noção de meta obrigatória,
existe uma variedade de caminhos que você pode seguir.
FOLHA - Como o sr. vê o papel do
Brasil nas negociações? Tem sido dito que o país tem sido muito reativo.
DE BOER - De jeito nenhum! O
Brasil tem sido um dos mais estridentes em dizer que a hora
das discussões informais acabou e que nós precisamos começar as negociações formais.
Brasil e África do Sul, juntos,
têm sido mais eloqüentes que
muitos países industrializados.
FOLHA - O Brasil está propondo um
esquema pelo qual os países ricos
criariam um fundo para financiar a
redução das emissões por desmatamento nos países tropicais. Isso tem
chance de ser aprovado em Bali?
DE BOER - O que eu acho interessante na proposta é que ela
torna claro que nós estamos
tentando falar de três coisas: há
gente falando de evitar desmatamento, de conservar florestas
e há ainda gente falando de manejo florestal sustentável. A
proposta brasileira está tentando partir a questão de forma a
torná-la mais clara, e também
tentando assegurar que nós focalizemos aquilo que deve ser o
foco, a saber, emissões resultantes do desmatamento.
FOLHA - No geral, então, é uma
boa idéia...
DE BOER - É algo que precisamos explorar mais. Em Viena
eu ouvi alguns países falando
em evitar emissões por desmatamento evitado, outros países
falando em evitar emissões devido a políticas de controle de
natalidade e outros ainda de
evitar emissões por não extrair
petróleo que está no subsolo!
Sabe, até onde você vai?
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