São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007

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Princípio que permitiu o iPod leva Nobel de Física

Sanduíche metálico nanométrico possibilitou criação de disco rígido compacto

Fenômeno que aumenta a sensibilidade de material condutor foi desvendado pelo alemão Peter Grünberg e pelo francês Albert Fert

Yoan Valat/EFE
Albert Fert concede entrevista após anúncio do prêmio


DA REPORTAGEM LOCAL

O Prêmio Nobel de Física de 2007, anunciado ontem de manhã, está por trás da tecnologia do aparelho que se tornou o sonho de consumo de milhões de jovens mundo afora. O fenômeno chamado "magnetorresistência gigante" -descoberto em 1988 pelo francês Albert Fert e pelo alemão Peter Grünberg- é o que permitiu a criação de minúsculos discos de memória de computador, como os que existem nos miniaparelhos de música do tipo iPod.
"Você gosta de física?" disse Fert, 69, a um grupo de jovens ontem, no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, em Orsay (Grande Paris), quando jornalistas o cercavam. "Se você pode escutar música no seu MP3, é um pouco graças àquilo que fiz."
Em termos técnicos, o que os dois físicos descobriram (cada um de forma independente) foi um modo de construir materiais mais sensíveis a campos magnéticos (veja quadro na página 20), que se valem das propriedades esquisitas que os materiais assumem na escala nanoscópica (dos milionésimos de milímetro). Foi uma das primeiras aplicações do campo nascente da nanotecnologia.
Em uma década, foi possível levar a descoberta a várias aplicações de informática- incluindo os discos rígidos de computadores domésticos, que hoje guardam mais informação em menos espaço.
A descoberta, que teve também a participação do gaúcho Mario Baibich (veja texto na pág. 20) e de outros pesquisadores, renderá ao alemão e ao francês o prêmio em dinheiro de 10 mil coroas suecas (cerca de US$ 1,5 milhão).
O francês disse que, na época da descoberta, não previa tantas aplicações. "Nunca dá para fazer previsões em física", afirmou. "Ultimamente, quando vou a um mercado e vejo o dono digitar em seu computador, eu penso: uau, ele está usando uma coisa que eu armei na minha cabeça. É maravilhoso."
Após verem a expansão da linha de pesquisa criada há 20 anos, porém, os físicos não se surpreenderam tanto com o anúncio do Nobel. "Como eu já tinha recebido um monte de prêmios, sempre me perguntavam quando viria o grande", disse Grünberg, do Centro de Pesquisas de Jülich.
O alemão também foi mais visionário do que o francês ao prever aplicações: patenteou a descoberta e hoje recebe royalties de várias empresas de tecnologia, incluindo a IBM. ("Quando você tem três filhos, é bom ter uma renda extra.")
A descoberta de Grünberg e Fert, porém, não teria sido um sucesso de mercado se um terceiro pesquisador não tivesse dado sua contribuição posterior. A técnica usada pelos dois europeus para produzir materiais com magnetorresistência gigante (GMR, na sigla em inglês) era cara demais para aplicação em escala industrial.

EUA de fora
Foi o inglês Stuart Parkin, trabalhando em um centro de pesquisas da IBM em San José, na Califórnia, EUA, que desenvolveu uma maneira de produzir o material necessário de forma mais barata. O critério de premiação do Nobel, porém, leva em conta o pioneirismo da idéia em si, e ele não esteve entre os agraciados. Esta foi a primeira vez desde 1999 que nenhum americano foi incluído entre os laureados de física.
Para Ben Murdin, físico da Universidade de Surrey (Inglaterra) o avanço trazido foi brutal. "Um disco rígido de computador usando um sensor GMR é equivalente a um jato voando a 30.000 km/h a um metro de altura, e sendo capaz de ver e catalogar cada folha de grama no chão", afirmou.
Nem só a leitura de dados, porém, foi impulsionada pela GMR: o princípio fundou a spintrônica, uma nova eletrônica. Enquanto no modo convencional os aparelhos se valem apenas da carga elétrica para manipular informação, a spintrônica usa o spin, uma propriedade do elétron análoga a um ângulo de giro.
Uma das aplicações da spintrônica que começa a entrar no mercado agora é um novo tipo de RAM, a memória rápida do computador -aquela que registra o que digitamos antes de o texto ser "salvo". Batizada de MRAM, ela não se apaga quando não há energia.


Com agências internacionais


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