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"Não me sinto injustiçado", diz físico brasileiro
Gaúcho é o primeiro autor de artigo científico que rendeu Nobel a Albert Fert; prêmio a francês é merecido, afirma
Pesquisador teve a idéia de
realizar o experimento
pioneiro na França, mas não
conseguiu recursos para
explorar a técnica no Brasil
DA REDAÇÃO
O gaúcho Mario Baibich já
imaginava que estava diante de
algo grandioso quando observou pela primeira vez a magnetorresistência gigante em um
composto de cromo e ferro. Foi
em 1988, no laboratório de Albert Fert, onde passava um ano
sabático. "A brincadeira que a
gente fazia era qual das curvas
[resultados do experimento] a
gente iria vender para os americanos", conta, com uma risada.
Não venderam nada, mas a
experiência, idealizada por ele
e por Fert, renderia um artigo
científico na prestigiosa revista
"Physical Review Letters". O
trabalho abriria um novo campo na nanotecnologia e na indústria dos computadores. E
renderia um Prêmio Nobel.
"Sabíamos que era importante, mas não tínhamos a dimensão da coisa", lembra Baibich,
58. O cientista, professor do
Departamento de Física da
UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), é o primeiro autor do artigo que deu o
Nobel a Fert. Mas ele mesmo
não compartilha o prêmio -dado ao chefe do laboratório. Injustiça? Ele diz que não.
"Não me sinto injustiçado. O
Fert foi quem propôs a explicação para o fenômeno. O Nobel
não vem da descoberta em si,
mas do conjunto da obra."
Nascido na Argentina, de pai
brasileiro, Baibich chegou ao
Brasil aos onze anos, em 1961.
De sua sala na UFRGS, o "quase
Nobel" deu a seguinte entrevista à Folha:
FOLHA - O sr. é o primeiro autor do
artigo que deu o Prêmio Nobel a Albert Fert. Quem é, afinal, o autor da
descoberta da magnetorresistência
gigante?
MARIO BAIBICH - O conceito das
multicamadas havia sido proposto pelo Peter Grümberg em
1986. Eu estava trabalhando
num projeto com outra coisa lá
no laboratório do Fert, da Universidade de Paris Sud. Vi aquilo e me interessei por magnetotransporte. Medir a magnetorresistência naquelas amostras
de cromo e ferro foi uma idéia
conjunta minha e dele. Fui para
o laboratório e medi. Mostrei
os resultados para o Fert e ele,
em uma noite, teve a idéia de
como explicar aquilo. Ele desenvolveu o modelo e fez as
perguntas certas.
FOLHA - O sr. se sente injustiçado?
BAIBICH - Não me sinto injustiçado. O Nobel não vem da descoberta em si, mas é dado pelo
conjunto da obra. E, depois que
eu voltei para o Brasil, tive problemas técnicos que me impediram de continuar me dedicando com a mesma intensidade a essa linha de pesquisa.
FOLHA - Que tipo de problemas?
BAIBICH - Eu vim embaladíssimo, mas o pessoal no Brasil não
conhecia essa área e ficou com
um pé atrás. Não tinha os equipamentos para fazer os filmes
[nanométricos de ferro e cromo], as pessoas acharam que eu
estava querendo coisas muito
dispendiosas. Meus pedidos de
auxílio para o CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico), a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos)
sempre encontraram muitas
reticências. As coisas ficaram
mais difíceis do que estavam
sendo na França.
FOLHA - O sr. acha que o Brasil perdeu uma oportunidade de liderar as
pesquisas nessa área?
BAIBICH - Não. Nós temos uma
posição de liderança nessa
área. Tem muita gente dentro
do Brasil.
FOLHA - No que o sr. trabalha hoje?
BAIBICH - Na mesma coisa. Não
posso falar com detalhes, porque há segredo industrial, mas
são aplicações de magnetorresistência gigante para detecção
de efeito magnético. E a gente
trabalha muito com ciência básica, já que a indústria aqui não
tem o costume de investir, salvo raras e honrosas exceções.
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