São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007

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"Não me sinto injustiçado", diz físico brasileiro

Gaúcho é o primeiro autor de artigo científico que rendeu Nobel a Albert Fert; prêmio a francês é merecido, afirma

Pesquisador teve a idéia de realizar o experimento pioneiro na França, mas não conseguiu recursos para explorar a técnica no Brasil

DA REDAÇÃO

O gaúcho Mario Baibich já imaginava que estava diante de algo grandioso quando observou pela primeira vez a magnetorresistência gigante em um composto de cromo e ferro. Foi em 1988, no laboratório de Albert Fert, onde passava um ano sabático. "A brincadeira que a gente fazia era qual das curvas [resultados do experimento] a gente iria vender para os americanos", conta, com uma risada.
Não venderam nada, mas a experiência, idealizada por ele e por Fert, renderia um artigo científico na prestigiosa revista "Physical Review Letters". O trabalho abriria um novo campo na nanotecnologia e na indústria dos computadores. E renderia um Prêmio Nobel.
"Sabíamos que era importante, mas não tínhamos a dimensão da coisa", lembra Baibich, 58. O cientista, professor do Departamento de Física da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), é o primeiro autor do artigo que deu o Nobel a Fert. Mas ele mesmo não compartilha o prêmio -dado ao chefe do laboratório. Injustiça? Ele diz que não. "Não me sinto injustiçado. O Fert foi quem propôs a explicação para o fenômeno. O Nobel não vem da descoberta em si, mas do conjunto da obra."
Nascido na Argentina, de pai brasileiro, Baibich chegou ao Brasil aos onze anos, em 1961. De sua sala na UFRGS, o "quase Nobel" deu a seguinte entrevista à Folha:

 

FOLHA - O sr. é o primeiro autor do artigo que deu o Prêmio Nobel a Albert Fert. Quem é, afinal, o autor da descoberta da magnetorresistência gigante?
MARIO BAIBICH
- O conceito das multicamadas havia sido proposto pelo Peter Grümberg em 1986. Eu estava trabalhando num projeto com outra coisa lá no laboratório do Fert, da Universidade de Paris Sud. Vi aquilo e me interessei por magnetotransporte. Medir a magnetorresistência naquelas amostras de cromo e ferro foi uma idéia conjunta minha e dele. Fui para o laboratório e medi. Mostrei os resultados para o Fert e ele, em uma noite, teve a idéia de como explicar aquilo. Ele desenvolveu o modelo e fez as perguntas certas.

FOLHA - O sr. se sente injustiçado?
BAIBICH
- Não me sinto injustiçado. O Nobel não vem da descoberta em si, mas é dado pelo conjunto da obra. E, depois que eu voltei para o Brasil, tive problemas técnicos que me impediram de continuar me dedicando com a mesma intensidade a essa linha de pesquisa.

FOLHA - Que tipo de problemas?
BAIBICH
- Eu vim embaladíssimo, mas o pessoal no Brasil não conhecia essa área e ficou com um pé atrás. Não tinha os equipamentos para fazer os filmes [nanométricos de ferro e cromo], as pessoas acharam que eu estava querendo coisas muito dispendiosas. Meus pedidos de auxílio para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) sempre encontraram muitas reticências. As coisas ficaram mais difíceis do que estavam sendo na França.

FOLHA - O sr. acha que o Brasil perdeu uma oportunidade de liderar as pesquisas nessa área?
BAIBICH
- Não. Nós temos uma posição de liderança nessa área. Tem muita gente dentro do Brasil.

FOLHA - No que o sr. trabalha hoje?
BAIBICH
- Na mesma coisa. Não posso falar com detalhes, porque há segredo industrial, mas são aplicações de magnetorresistência gigante para detecção de efeito magnético. E a gente trabalha muito com ciência básica, já que a indústria aqui não tem o costume de investir, salvo raras e honrosas exceções.


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