São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Próximo Texto | Índice

GEOLOGIA

Cerca de 4.500 cones foram criados por fonte geotérmica, que impulsionava água através de "chaminé" submersa

Interior de SP tem gêiseres pré-históricos

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem der uma volta pela zona rural de Anhembi, município que fica 245 km a noroeste de São Paulo, provavelmente não vai se dar conta de que está andando sobre um campo minado de 250 milhões de anos. No longínquo Período Permiano, o lugar estava cheio de gêiseres subaquáticos, esguichando água a altas temperaturas sob influência do calor do interior da Terra.
A prova disso ainda está lá, sob forma de 4.500 cones que mais parecem cupinzeiros para o olhar destreinado. Um grupo de pesquisadores liderados por Jorge Kazuo Yamamoto e Thomas Rich Fairchild, do Instituto de Geociências da USP, diz ter desvendado a verdadeira natureza das estruturas e publica hoje sua análise na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
"Talvez seja um caso único no mundo, principalmente quando se leva em conta o grau de preservação das estruturas", disse Yamamoto à Folha. Além do mais, a descoberta aponta para um novo enigma: ninguém ainda sabe muito bem como as estruturas teriam se formado ali, porque não há um mecanismo óbvio para a transferência de calor do interior da Terra para o solo.

Alta densidade
Uma coisa é certa: as coisas estavam literalmente quentes em Anhembi no Permiano, porque os milhares de cones se espalham por uma área restrita, de apenas 1,5 km2. Na época, todas as evidências geológicas indicam que a região estava invadida por um mar interior raso, mais ou menos como o atual mar Cáspio, na Ásia Central. "A profundidade máxima não deveria chegar a 150 m, e água talvez fosse apenas salobra", estima Fairchild. Há duas possibilidades para o contexto em que as estruturas se formaram, segundo a dupla. Elas podem ter "brotado" numa região rasa, que seria inundada periodicamente pela maré; ou em locais um pouco mais profundos e sempre submersos.
Antes do trabalho, houve quem sugerisse que as formações eram estromatólitos -estruturas muito antigas formadas por bactérias, que geram verdadeiros "tapetes" de limo nas águas onde crescem. Mas a composição dos cones (sílica, em vez de substâncias à base de carbono) e a falta de certas estruturas típicas do limo petrificado convenceu os pesquisadores de que a origem dos "cupinzeiros" não era biológica.
Na verdade, há uma série de semelhanças entre os cones (os quais podem chegar a quase 2 m de altura) e os gêiseres, como os famosos do Parque Nacional de Yellowstone (Estados Unidos). "Mas o termo gêiser se aplica, na verdade, aos que ficam expostos no ar", diz Fairchild.
Seja como for, o processo de formação é parecido. A água desce por fissuras na rocha e é aquecida, voltando a temperaturas altas, num esguicho, para a superfície. Aos poucos, o mineral que os jatos d'água arrastam vai sendo depositado, formando a estrutura.
Até aí, tudo ótimo. Água e sílica (o mineral da parede dos cones) existiam em abundância por ali. O problema é o terceiro elemento da equação, a fonte de calor. Com a exceção de Yellowstone, esse tipo de estrutura costuma se formar nos pontos em que as placas tectônicas (as "balsas" de rocha sobre as quais navegam os continentes) se tocam. São os mesmos locais onde vulcões surgem e terremotos acontecem.
"Mas aqui nós temos ocorrências a 2.000 km da margem, com pouca evidência de atividade tectônica", diz Fairchild. A intenção dos pesquisadores agora, portanto, é elucidar o enigma. Uma das chaves pode estar no fato de que, nessa época, os continentes do planeta estavam todos unidos num só, a chamada Pangéia.
Acomodações internas dentro desse imenso bloco de terras poderiam ter sido responsáveis por uma atividade tectônica "interna". "As placas deviam ficar como eu voando de classe econômica e sentado no assento do meio: apertadas e se ajeitando", brinca Fairchild, que tem mais de 1,90 m.


Próximo Texto: Panorâmica - Gripe: Vírus de 1918 será distribuído pelo correio
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.