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PALEOCLIMA
Equipe identifica chuvas no passado do semi-árido e sugere que mata atlântica e Amazônia já foram unidas
Sertão do Nordeste já foi floresta tropical
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Coletando rochas numa caverna, cientistas confirmaram que o
sertão nordestino já abrigou de
uma pujante floresta, ligando a
Amazônia à mata atlântica.
Com os resultados, a equipe,
composta por pesquisadores do
Brasil, dos EUA e do Reino Unido, demonstrou uma hipótese
que tem circulado há pelo menos
uns 50 anos sem comprovação: a
de que conexões temporárias entre os dois principais ecossistemas florestais brasileiros haviam
ajudado a promover a imensa
biodiversidade observada hoje.
A busca das evidências da floresta antiga passou pela mais improvável das rotas -a subterrânea. Os cientistas exploraram
uma série de cavernas no norte da
Bahia à procura de espeleotemas,
ou amostras de calcário na forma
de estalactites e estalagmites.
"Só a presença de água pode explicar a formação dessas estruturas", explica Augusto Auler, geólogo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) envolvido
na pesquisa. "Hoje é muito seco
por lá, o índice pluviométrico é de
490 milímetros ao ano, o que é
muito pouco. Mas no passado
houve água suficiente para formar esses espeleotemas."
Restava então datar essas estacas, desde o momento em que sua
formação foi iniciada até o instante em que seu crescimento foi interrompido. O grupo fez isso analisando as quantidades dos elementos urânio e tório. Os cientistas já sabem o ritmo em que um se
transforma no outro, por decaimento radioativo. Sabendo as
proporções de ambos num dado
material, é possível estimar a época em que se formou.
Usando esse método, conseguiram obter as idades das estalagmites e estabelecer um registro
confiável da presença de água no
semi-árido nordestino pelos últimos 210 mil anos. E perceberam
que houve momentos de grande
umidade na região. "A última
grande chuva aconteceu uns 11,7
mil anos atrás", diz Auler.
De posse dos resultados, os
cientistas conduziram uma comparação com outros registros históricos de clima estabelecidos ao
redor do globo. Perceberam então
uma correlação impressionante
entre os períodos de maior umidade do Nordeste brasileiro e as
maiores ondas de frio no hemisfério Norte. "Percebemos que esses
eventos úmidos estavam ligados,
por exemplo, com períodos de
frio mais intenso na Groenlândia,
estimados a partir de estudos com
o gelo lá", afirma Auler.
Teleconexões
O resultado evidencia que eventos díspares em regiões distantes
do mundo na verdade possuem
alguma conexão. Explicar exatamente essa dinâmica em escala
global é um dos grandes desafios
da climatologia atual.
"Mas o que achamos mais interessante, ainda mais para a gente,
que é do Brasil, é a constatação de
que a floresta amazônica e a mata
atlântica foram unidas no passado", diz Auler. Para apoiar essa
teoria, os cientistas não só obtiveram os registros de água nas cavernas, mas também a identificação de fósseis de planta associados à floresta, diferentes da vegetação típica da caatinga que impera hoje no semi-árido.
Os dados com um enfoque de
paleoclima estão resumidos num
artigo publicado na última edição
da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com). Outras
informações da pesquisa, relativas ao aspecto ecológico, foram
publicadas no periódico "Journal
of Quaternary Science"
(www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/jhome/2507).
A idéia de que um corredor de
floresta ligava a Amazônia à Mata
Atlântica de forma intermitente,
agora confirmada, ajuda a explicar a grande variedade de formas
de vida ali presentes, por meio do
intercâmbio de espécies. Mas não
elimina outras hipóteses que tentam matar a charada da origem da
grande biodiversidade amazônica, como a teoria dos refúgios, defendida pelo geógrafo Aziz Ab'Saber e pelo zoólogo Paulo Vanzolini, ambos da USP. Segundo essa
corrente, em algumas épocas a
floresta sofria uma fragmentação,
e o ambiente era mantido só em
regiões menores e isoladas, estimulando a especiação.
Auler diz que ainda não dá para
dizer se essa hipótese foi correta,
mas ele pretende descobrir. "Estamos começando a trabalhar na
Amazônia. Já achamos uma caverna adequada e os resultados
devem sair no ano que vem", afirma. "É o "grande prêmio" -todo
mundo quer saber o que aconteceu na Amazônia no passado."
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