São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

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PALEOCLIMA

Equipe identifica chuvas no passado do semi-árido e sugere que mata atlântica e Amazônia já foram unidas

Sertão do Nordeste já foi floresta tropical

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Coletando rochas numa caverna, cientistas confirmaram que o sertão nordestino já abrigou de uma pujante floresta, ligando a Amazônia à mata atlântica.
Com os resultados, a equipe, composta por pesquisadores do Brasil, dos EUA e do Reino Unido, demonstrou uma hipótese que tem circulado há pelo menos uns 50 anos sem comprovação: a de que conexões temporárias entre os dois principais ecossistemas florestais brasileiros haviam ajudado a promover a imensa biodiversidade observada hoje.
A busca das evidências da floresta antiga passou pela mais improvável das rotas -a subterrânea. Os cientistas exploraram uma série de cavernas no norte da Bahia à procura de espeleotemas, ou amostras de calcário na forma de estalactites e estalagmites.
"Só a presença de água pode explicar a formação dessas estruturas", explica Augusto Auler, geólogo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) envolvido na pesquisa. "Hoje é muito seco por lá, o índice pluviométrico é de 490 milímetros ao ano, o que é muito pouco. Mas no passado houve água suficiente para formar esses espeleotemas."
Restava então datar essas estacas, desde o momento em que sua formação foi iniciada até o instante em que seu crescimento foi interrompido. O grupo fez isso analisando as quantidades dos elementos urânio e tório. Os cientistas já sabem o ritmo em que um se transforma no outro, por decaimento radioativo. Sabendo as proporções de ambos num dado material, é possível estimar a época em que se formou.
Usando esse método, conseguiram obter as idades das estalagmites e estabelecer um registro confiável da presença de água no semi-árido nordestino pelos últimos 210 mil anos. E perceberam que houve momentos de grande umidade na região. "A última grande chuva aconteceu uns 11,7 mil anos atrás", diz Auler.
De posse dos resultados, os cientistas conduziram uma comparação com outros registros históricos de clima estabelecidos ao redor do globo. Perceberam então uma correlação impressionante entre os períodos de maior umidade do Nordeste brasileiro e as maiores ondas de frio no hemisfério Norte. "Percebemos que esses eventos úmidos estavam ligados, por exemplo, com períodos de frio mais intenso na Groenlândia, estimados a partir de estudos com o gelo lá", afirma Auler.

Teleconexões
O resultado evidencia que eventos díspares em regiões distantes do mundo na verdade possuem alguma conexão. Explicar exatamente essa dinâmica em escala global é um dos grandes desafios da climatologia atual.
"Mas o que achamos mais interessante, ainda mais para a gente, que é do Brasil, é a constatação de que a floresta amazônica e a mata atlântica foram unidas no passado", diz Auler. Para apoiar essa teoria, os cientistas não só obtiveram os registros de água nas cavernas, mas também a identificação de fósseis de planta associados à floresta, diferentes da vegetação típica da caatinga que impera hoje no semi-árido.
Os dados com um enfoque de paleoclima estão resumidos num artigo publicado na última edição da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com). Outras informações da pesquisa, relativas ao aspecto ecológico, foram publicadas no periódico "Journal of Quaternary Science" (www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/jhome/2507).
A idéia de que um corredor de floresta ligava a Amazônia à Mata Atlântica de forma intermitente, agora confirmada, ajuda a explicar a grande variedade de formas de vida ali presentes, por meio do intercâmbio de espécies. Mas não elimina outras hipóteses que tentam matar a charada da origem da grande biodiversidade amazônica, como a teoria dos refúgios, defendida pelo geógrafo Aziz Ab'Saber e pelo zoólogo Paulo Vanzolini, ambos da USP. Segundo essa corrente, em algumas épocas a floresta sofria uma fragmentação, e o ambiente era mantido só em regiões menores e isoladas, estimulando a especiação.
Auler diz que ainda não dá para dizer se essa hipótese foi correta, mas ele pretende descobrir. "Estamos começando a trabalhar na Amazônia. Já achamos uma caverna adequada e os resultados devem sair no ano que vem", afirma. "É o "grande prêmio" -todo mundo quer saber o que aconteceu na Amazônia no passado."


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