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Micro/Macro
Anatomia de um fio
Marcelo Gleiser especial para a Folha
A vida moderna, cercada como é de
artefatos elétricos, torna a sociedade
extremamente dependente do uso da
eletricidade. E onde existe eletricidade,
existe fio. Ao menos por enquanto. Eu
me lembro de ter de quebrar a cabeça
imaginando onde eu poria os 20 fios que
ligavam os vários componentes do meu
equipamento de som sem embolá-los,
uma tarefa quase impossível. Mas, uma
vez solucionado o complicado problema
estético, a mágica não falha jamais: é só
conectar o fio na tomada, ligar o amplificador e o tocador de CD, e a música jorra
dos alto-falantes. A "alma" dessa mágica
é a corrente elétrica, bilhões de trilhões
de elétrons fluindo pelos fios e circuitos
elétricos, como água em um rio. Dada a
importância do fio em nossas vidas, acho
que ele merece ser mais bem compreendido. Dedico, então, a coluna de hoje ao
fio.
Para começar, um fio comum é feito de
dois materiais: uma substância capaz de
conduzir eletricidade, como o cobre, e
um material isolante, o plástico que vemos em torno do cobre. O cobre, como
todo metal, é um excelente condutor de
eletricidade. Isso porque os metais têm
uma propriedade extremamente importante, que pode ser entendida em grau
atômico. Um átomo tem um núcleo, feito de prótons e nêutrons, e elétrons girando em torno. Essa visualização do
átomo como um minissistema solar não
é propriamente correta, mas é suficiente.
Átomos de elementos diferentes têm números diferentes de elétrons e prótons. O
elemento mais simples, o hidrogênio,
tem apenas 1 elétron e 1 próton. O cobre
tem 29 de cada. O que difere os metais de
outros elementos químicos é a facilidade
com que um elétron, o que está na camada mais externa, pode ser extraído. São
esses elétrons que fluem no fio, transportando carga elétrica de uma extremidade
a outra.
Podemos fazer uma analogia com uma
cachoeira. A água "cai" do ponto mais alto ao ponto mais baixo devido à atração
gravitacional da Terra. Na verdade, dizemos que existe uma "diferença de energia potencial gravitacional" entre o alto
da cachoeira e a sua base. Essa energia
pode ser interpretada como a possibilidade de um corpo suspenso cair. É só largar e deixar a gravidade fazer o resto.
Mesmo que a água seja um fluido para
nós, microscopicamente ela é feita de
moléculas. A corrente elétrica funciona
de modo semelhante a uma cachoeira.
Em lugar da diferença de energia potencial gravitacional, temos uma diferença
de potencial elétrico, que pode ser criada
por uma bateria. A função da bateria é a
mesma da diferença de altura na cachoeira. Fazer com que cargas elétricas
"caiam" de um potencial maior para um
menor. No caso, a diferença de potencial
existe entre as duas extremidades do fio.
A diferença de potencial elétrico extrai
os elétrons exteriores dos átomos do metal que compõem o fio. No caso do sódio,
também um metal, existem 25 bilhões de
trilhões de átomos por centímetro cúbico (2,5 X 1022 átomos/cm3), e cada um deles libera um elétron para a corrente elétrica. Por isso a aproximação da corrente
elétrica como um fluido contínuo não é
nada má. Os átomos dos metais, agora
com um elétron a menos, se arranjam
em estruturas geométricas extremamente regulares, como cubos ou pirâmides. E
os elétrons fluem através dessas redes
cristalinas como se elas praticamente
não existissem. Claro, existe sempre uma
resistência ao movimento dos elétrons,
que, no caso dos metais, aumenta com a
temperatura. Em altas temperaturas, a
rede cristalina de íons (átomos que, no
caso, perderam elétrons) oscila mais vigorosamente, oferecendo maior resistência à passagem dos elétrons.
Mas os metais não são os únicos elementos químicos usados na condução
de eletricidade. A maioria dos circuitos
elétricos modernos usa elementos conhecidos como semicondutores, como
silício ou germânio. Esses elementos formam cristais extremamente rígidos, como o carbono forma o diamante. Em
temperatura ambiente ou mais baixa, esses elementos são ótimos isolantes. Mas,
com um aumento de temperatura, é possível fazer com que alguns de seus elétrons passem a ser condutores tais como
os metais. Os semicondutores são usados nos transistores, que são fundamentais nos circuitos de computadores, nos
amplificadores etc. Um processador
Pentium tem milhões de transistores integrados em dimensões microscópicas.
Pense nisso na próxima vez que você ligar seu computador.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "A Dança do Universo"
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