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+ Marcelo Gleiser
Terra quente
Quem vai pagar o preço daquilo que fizemos são as futuras gerações
Após seis anos de novos estudos,
saiu o relatório do Painel Intergovernamental de Mudança
Climática, o IPCC. Como ocorre em
questões científicas complexas, e o estudo do clima é certamente extremamente complexo, o conhecimento vai
sendo agregado aos poucos, a medida
que dados mais abrangentes vão sendo coletados e modelos matemáticos
mais sofisticados vão sendo desenvolvidos e testados.
Pela primeira vez, os membros do
IPCC, um órgão internacional com
centenas de cientistas e técnicos do
mundo inteiro, foi bastante claro com
relação à questão do aquecimento global. E, como o leitor deve ter ouvido
na última semana, as novas sobre o assunto não são boas.
Ninguém discute mais que a temperatura global está gradualmente aumentando: a última década foi de longe a mais quente dos últimos 150 anos.
A discussão mais recente e urgente
concentrava-se nas causas desse aumento. São elas resultado de fatores
naturais, como a ação do Sol ou da
emissão de gases do interior terrestre,
ou da poluição atmosférica causada
pela industrialização da sociedade?
No decorrer da sua história, a Terra
passou por uma série de eras mais
frias e mais quentes. Antes de 1500, os
efeitos da civilização no clima eram
desprezíveis. Para provar que o aquecimento atual é culpa dos homens e
não da natureza, é necessário separar
os efeitos dos dois agentes, o que não é
nada fácil. Mas foi feito.
A história climática da Terra está
registrada no gelo das calotas polares.
Como o gelo é depositado ano após
ano, é possível medir sua espessura e,
analisando sua composição, determinar a concentração dos vários gases
presentes na atmosfera ao longo dos
anos, como o dióxido de carbono
(CO2) e o metano. Os dados comparam o número de moléculas dos gases
com as moléculas de ar puro numa
amostra. O que ficou determinado é
que, em 2005, a concentração de CO2
era de 379 ppm (partes por milhão)
Ou seja, para cada milhão de moléculas de ar, 379 eram de CO2. Nos últimos 650 mil anos de história, a concentração variou entre 180 ppm e 300
ppm. Fora isso, o crescimento foi mais
acelerado nos últimos dez anos do que
em qualquer outro período. Esse aumento da concentração é devido ao
uso de combustíveis fósseis -como o
carvão e a gasolina- e à queima de
madeira para clarear florestas e para
gerar calor e energia. A concentração
de metano também aumentou principalmente pela ação humana.
O parecer do painel é claro: a melhora na compreensão dos dados e dos
modelos de variação climática, leva à
conclusão de que com confiança estimada em 90% o aquecimento global
observado é causado pela ação humana. Quem gosta de apostar, ou de jogar
na bolsa ou no bicho, sabe muito bem
que uma aposta com 90% de margem
é segura. Portanto, o tal "debate" sobre as causas do aquecimento global
também está encerrado. A culpa é
nossa mesmo. (Detalhes no endereço
www.ipcc.ch/SPM2feb07.pdf)
Quais as conseqüências desse aquecimento? Os efeitos variam dependendo da região. Mas pode-se esperar
ondas de calor e tempestades mais
violentas e freqüentes; secas mais longas; aumento do nível do mar, que, no
século 20, já foi de 17 cm; aumento da
temperatura global entre 2 e 4 graus;
maior incidência de furacões. Esse desequilíbrio gerará doenças, emigrações em massa das regiões costeiras,
pestes na agricultura etc.
Mesmo se os governos resolverem
tomar providências sérias, podemos
no máximo diminuir os efeitos do
aquecimento. É tarde demais para evitá-los. Deixamos já nossa marca no
planeta. E o pior é que quem vai pagar
o preço são as futuras gerações.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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