São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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No fim do túnel

Teste em acelerador de partículas pode falsear a teoria que tenta unificar toda a física numa única estrutura o maior acelerador de partículas do mundo, na Suíça

Salvatore Di Nolfi/Efe
Físicos observam a instalação de imã gigante no túnel do LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, perto de Genebra


RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

D iga a um cientista que sua teoria corre o risco de morrer após passar por um teste num laboratório. Qual seria a reação do pesquisador? Em princípio, pareceria um má notícia, mas uma comunidade inteira de físicos está comemorando a possibilidade de um acelerador de partículas que entra em operação no fim do ano aniquilar a maior empreitada teórica de últimas duas décadas na área.
A iniciativa que poderia encontrar seu destino já em 2008 é a chamada teoria das cordas, que começou a ser elaborada na década de 1970. Ela é uma tentativa de unir dois campos da ciência que não conseguem se entender, apesar de conviverem há um século: a física quântica, que explica o mundo microscópico das partículas, e a teoria da relatividade geral de Albert Einstein, que explica a gravidade e o Universo.
A teoria chamada mecânica quântica consegue explicar de uma tacada só três das forças fundamentais que existem: a eletromagnética e dois tipos de forças nucleares, a forte e a fraca. O problema é que ela não consegue explicar a gravidade, e a relatividade de Einstein funciona numa lógica totalmente diferente, inconciliável com a física quântica.
Uma tentativa de resolver o problema surgiu com uma elaboração que já dura mais de três décadas, a chamada teoria de cordas. Ela postula que os componentes mínimos das coisas, afinal, não são as partículas, mas sim elementos de uma dimensão ("cordas") vibrando em um Universo com muitas dimensões espaciais, mais do que as três às quais estamos acostumados. Tudo o que conhecemos -partículas e forças (incluindo a gravidade)- seria uma espécie de projeção de uma realidade de cordas.
O problema é a demora em surgir uma evidência experimental para a teoria. Isso faz com que cresça o número de físicos que a consideram uma mera elucubração teórica com uma matemática elegante.

Prova parcial
Um experimento proposto agora pelo teórico de cordas Jacques Distler, da Universidade do Texas (EUA), pode ajudar a fornecer uma "prova parcial" para a hipótese das cordas. Isso se seu resultado for positivo. Caso seja negativo, o teste pode ser o fim da linha para a teoria física mais audaciosa das última décadas. "E eu acho que seria", disse Distler à Folha.
Algo que parece uma tentativa de suicídio intelectual, porém, é justamente o que pode dar força à hipótese das cordas. Mas Distler discorda, porém, que o teste crucial para as cordas esteja demorando a surgir.
"Não dá para extrair previsões de uma teoria até que se tenha construído e aprendido a fazer cálculos com ela", diz. "Isso leva muito tempo no caso de um projeto ambicioso como a teoria de cordas."
Enquanto um teste de poder probatório não surge, porém, indícios parciais podem dar fôlego à teoria. Victor Rivelles, teórico de cordas da USP (Universidade de São Paulo), afirma que um eventual resultado negativo no teste de Distler pode não ser o fim da teoria de cordas -mas seria um golpe duro.
"À medida que você tenta encontrar esses indícios e eles não aparecem, isso vai enfraquecendo a teoria", diz. Para Rivelles, porém, cedo ou tarde alguém deverá criar um teste que servirá como a prova de fogo definitiva para as cordas.
Com ou sem essa teoria, unificar a física vai ser uma tarefa difícil. Para fazer o que Distler chama de "teste parcial", ele propõe que sejam observadas propriedades de partículas chamadas bósons W, responsáveis pela força nuclear fraca, que causa a radiação.
"Propomos medir a dependência de energia da probabilidade de bósons W colidirem [num experimento]", disse o físico. Uma precondição para que a teoria de cordas esteja certa é que essa medição acabe ficando dentro de certos limites. "Só não fizemos esse teste antes por falta de um acelerador de partículas poderoso o bastante para produzir um número suficiente de bósons W."
Pela mesma razão, as "cordas" da teoria nunca foram vistas na prática. Para "desmontar" partículas elementares em componentes menores (cordas, no caso) seria preciso um nível de energia impraticável.

Esmagador gigante
Em novembro deste ano, porém, entra em operação na fronteira da Suíça com a França a máquina mais poderosa já feita. O LHC (Grande Colisor de Hádrons, na sigla em inglês) é o maior acelerador de partículas do mundo, e deve dar conta de produzir um bocado de bósons W. (Produzir cordas por enquanto está fora de cogitação.)
O LHC poderá não só investigar os bósons W mas também verificar a existência de uma propriedade das partículas chamada supersimetria (cada partícula teria uma espécie de irmã um pouco diferente). Essa é mais uma precondição para provar a teoria das cordas.
Além disso, outra "previsão parcial" da teoria de cordas é a possibilidade de surgirem "miniburacos negros" no LHC. Esses eventos também seriam indícios (muito) favoráveis, mas ainda não seriam provas.
E o mesmo vale, afinal, para o experimento de Distler. "É exagero dizer que ele é uma tentativa de provar que a teoria de cordas é correta", diz Rivelles. "Mas ela tem de passar por esse teste."


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