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ESPAÇO
Grupo liderado por cientista da USP observa, no centro da galáxia, primeiro caso de "morte súbita" desse tipo de objeto
Brasileiro flagra o suicídio de uma estrela
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Imagine um sujeito que acha
que vai viver cem anos descobrir,
de repente, que tem no máximo
mais dez meses pela frente. Esse
diagnóstico nada auspicioso acaba de ser feito por astrônomos
brasileiros para uma estrela dupla
situada no centro da Via Láctea. É
a primeira vez que se prevê a morte súbita de um objeto desse tipo.
Súbita, é claro, para os padrões
astronômicos. "A hora da morte
pode ser entre amanhã e daqui a 1
milhão de anos. Em astronomia,
isso é um tempo curtíssimo", diz
o astrônomo João Steiner, do IAG
(Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da
USP. Ele e três colegas integram a
equipe "médica" que desenganou
a estrela, descoberta por Steiner
há 19 anos e batizada V617 Sgr.
Embora a origem da doença estelar fatal ainda seja desconhecida, os cientistas já sabem direitinho quais são os sintomas. A
V617 Sgr é formada por um par de
estrelas. E uma delas está literalmente devorando a companheira,
tragando-lhe massa a uma velocidade extraordinária.
Esse canibalismo, uma espécie
de duelo, é ruim para ambas. O
processo pode terminar com a
destruição da estrela companheira, sugada até ser evaporada por
completo, ou com a explosão da
anã branca, mais densa. Em ambos os casos, o sistema está condenado. Nesse ritmo, deve entrar
em colapso daqui a 1 milhão de
anos, no máximo.
Parece suicídio? Pois é exatamente assim que Steiner e seus
colegas descrevem o fenômeno. O
título do artigo científico no qual a
bizarra patologia cósmica é apresentada tem o título de "Suicídio
Estelar Assistido na V617 Sgr". Ele
acaba de ser publicado no periódico "Astronomy & Astrophysics" (www.edpsciences.org/aa).
Longa observação
Embora a hipótese de morte súbita para estrelas binárias já houvesse sido proposta antes, Steiner
diz que esta é a primeira vez que
alguém vê o fenômeno. O trabalho foi feito com o auxílio de um
telescópio do Laboratório Nacional de Astrofísica, em Minas.
A estrela suicida está na constelação de Sagitário, perto do centro
da galáxia, a cerca de 24 mil anos-luz da Terra. Ela foi descoberta
pelo cientista da USP em 1986.
Variações de sua luminosidade
enquanto ela girava em torno de
si mesma fizeram Steiner e seus
colegas suporem que se tratava de
um sistema binário, com duas estrelas que dançam juntas.
Mas desde o começo parecia
uma binária esquisita. Ela pertence a uma categoria rara de objeto
celeste, da qual só existem na Via
Láctea quatro representantes
-deveria haver centenas. Essa
classe de estrela dupla é composta
por uma estrela primária pouco
densa e uma anã branca, uma estrela morta. Apesar de não fazer
fusão nuclear em seu centro, a anã
branca acaba brilhando porque é
mais densa e atrai gravitacionalmente matéria da companheira.
No caso da família da V617 Sgr,
a transferência de massa é cem vezes maior que o normal. Esse almoço violento produz reações
nucleares na superfície da anã
branca. Tais reações produzem
uma espécie de vento estelar, que
evapora a estrela menos densa.
Alguém tem de morrer
Para tentar saber o que aconteceria com a estrela, o grupo da
USP começou a monitorar o chamado período da binária -o
tempo que o par leva para girar
em torno de si mesmo.
O período foi determinado de
uma maneira para lá de precisa:
"É de 4 horas, 58 minutos, 19 segundos e 114 milésimos de segundo", declina Steiner. E está aumentando cada vez mais, o que
significa que a anã branca está
"engordando" rapidamente.
O destino final da binária vai depender da massa da estrela canibalizada. Mas uma das duas vai
morrer. Se
no fim da refeição a anã branca ficar com massa superior a 1,4 vez a
do Sol, ela explode como uma supernova do tipo 1a -objeto usado pelos astrônomos como guia
para calcular a expansão do Universo. Para Steiner, isso é importante: trata-se de um mecanismo
até agora desconhecido a explicar
a produção desse tipo de supernova. Mas a "morte súbita" também esclarece por que estrelas do
tipo da V617 Sgr são tão raras.
"Elas surgem e somem. Isso explica por que está faltando estrela",
diz o astrônomo.
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