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Cientistas tentam prevenir abusos da engenharia do clima
Tecnologia para tentar "consertar" o termostato do planeta
pode estar pronta para testes em uma década, diz especialista
Americano teme que falta
de regras internacionais empurrem esse campo de estudos para as "sombras", colocando planeta em risco
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O ano é 2020. O mundo falhou em chegar a um acordo para cortar emissões de gases-estufa, e os piores efeitos da mudança climática começam a se
abater sobre a Terra: tempestades violentas, secas, degelo do
Ártico e aumento acelerado do
nível do mar. Em desespero, algum país resolve, sem consultar ninguém, começar a lançar
milhões de toneladas de enxofre na estratosfera, para bloquear a luz do Sol e resfriar o
planeta. Mas a solução acaba
tendo um efeito colateral: interrompe as monções na Índia,
matando milhões de fome.
O cenário acima descreve um
dos riscos da chamada geoengenharia, nome dado ao conjunto de propostas para "consertar" o clima a Terra usando
tecnologia em vez de cortar
emissões de carbono. Se ele parece ficção científica, é porque
é mesmo. Mas não por muito
tempo. Especialistas ouvidos
pela Folha calculam que em
cinco ou dez anos esse tipo de
técnica poderá entrar em teste.
Preocupados com um eventual descontrole da geoengenharia, 175 pesquisadores de 15
países se reuniram no fim do
mês passado nos EUA para debater, pela primeira vez, como
essa nova área da ciência deve
ser regulamentada.
O lugar escolhido para o encontro foi simbólico: o centro
de conferências de Asilomar,
na cidadezinha de Pacific Grove, Califórnia. Ali foi realizada,
há 35 anos, a primeira reunião
sobre os riscos de uma nova
tecnologia -a engenharia genética-, que resultou em uma
série de princípios que até hoje
governam a pesquisa na área.
A segunda conferência de
Asilomar, porém, terminou
com mais perguntas do que
respostas. Diferentemente do
DNA recombinante, a maioria
das tecnologias de geoengenharia ainda não saiu do plano
das ideias. Por isso, os cientistas ainda não são capazes nem
mesmo de avaliar seus riscos.
Mas o encontro reconheceu
a necessidade de iniciar pesquisas "nas ciências naturais e
sociais para melhor entender e
comunicar se estratégias alternativas para moderar a futura
mudança climática são ou não
viáveis, apropriadas e éticas".
Seguro
"Se concluirmos que não será
possível evitar uma interferência perigosa no clima só via mitigação, então precisaremos
considerar a geoengenharia.
Precisamos entender as implicações logo. Não podemos esperar que uma emergência
aconteça", disse Tom Wigley,
do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica nos EUA, um
dos líderes da conferência.
Michael McCracken, pesquisador do Climate Institute de
Washington e coordenador
científico do encontro, diz que
a emergência já chegou -para
os povos indígenas do Ártico e
para países como a Austrália,
que enfrenta secas prolongadas
devido à alteração das rotas habituais de tempestades.
"Há razões para acreditarmos hoje que a necessidade de
geoengenharia é maior do que
se imaginava", afirma David
Victor, especialista em política
de clima da Universidade da
Califórnia em San Diego.
"Uma é que os governos não
fizeram muita coisa para controlar emissões de gases-estufa,
como vimos na conferência do
clima de Copenhague. A outra é
que há evidências crescentes de
que o clima está mudando muito mais rápido do que se imaginava, e isso é meio assustador."
Segundo ele, a geoengenharia
precisa ser encarada como
"uma apólice de seguro".
"Greenfinger"
Victor afirma que hoje "estamos numa terra de ninguém"
no que diz respeito à regulamentação das pesquisas. Isso
traz o risco de levar a geoengenharia para as sombras em vez
de abri-la ao escrutínio público.
Num cenário desses, não é difícil imaginar que cientistas encontrem dificuldades para obter financiamento em países
como os da Europa, nos quais a
percepção de risco é grande.
Ou, ao contrário, que os estudos e testes na atmosfera sejam
conduzidos unilateralmente
por países ou até mesmo indivíduos que percebam que os riscos de uma mudança climática
descontrolada de longe superem os efeitos colaterais da
geoengenharia -hipótese apelidada por Victor de "Greenfinger", em alusão ao vilão Goldfinger, do filme de James Bond.
"É preciso desenvolver novas
regras para esse tipo de pesquisa", afirma Gylvan Meira Filho,
pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP que
participou de Asilomar-2. "Você precisa obrigar as pessoas a
publicarem seus resultados na
literatura científica e os países
a trocarem dados. Isso não é
trivial", diz o físico, lembrando
que nem mesmo os meteorologistas, que trabalham com informações menos sensíveis,
gostam de compartilhar dados.
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