|
Próximo Texto | Índice
MEDICINA
Proteína encontrada no pulmão de camundongos afetados sugere nova via para combater a doença respiratória
Enzima promete novo remédio antiasma
MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma descoberta inesperada pode levar a um novo tipo de tratamento para a asma. Uma proteína
comum do corpo, achada por acidente nos pulmões de roedores
doentes, parece ser a chave para
aliviar os pulmões e brônquios
dos 7% da população mundial
que sofrem da doença crônica (segundo dados da OMS).
A equipe do médico pneumologista Jack Elias, da Universidade
Yale, nos EUA, descobriu uma ligação inédita entre uma enzima
(proteína que acelera reações)
chamada quitinase e a asma. Ao
bloquearem a ação dessa substância em roedores asmáticos, os
cientistas atenuaram os efeitos da
doença. Além da esperança de
novas drogas, essa relação reforça
a noção de que a asma seja, na
verdade, um subproduto indesejado de uma reação do sistema
imunológico humano ao ataque
de parasitas do ambiente.
Os pesquisadores estudavam
camundongos com uma doença
semelhante à asma e descobriram
nos pulmões dos roedores uma
substância na forma de pequenos
cristais. "Aconteceu completamente por acaso. Vimos os cristais no pulmão dos roedores
doentes e, de início, achamos que
fossem cristais comuns no catarro. Mas aí alguém no meu laboratório disse: "E se não for isso?" Aí
descobrimos lá uma quitinase",
disse à Folha Elias, 53. "Percebemos que talvez tivesse relação
com a asma. Afinal, ela aparecia
tanto nos pulmões inflamados."
As quitinases são enzimas responsáveis por degradar a quitina,
substância presente nas paredes
celulares de fungos, nos exosqueletos (carapaças) de crustáceos e
insetos e em vermes parasitas.
Mamíferos não têm enzimas para
produzir quitina -como têm os
insetos-, mas possuem várias
quitinases para repelir parasitas
que dependem de quitina.
Desconfiados, os cientistas induziram ataques de asma nos camundongos e examinaram seu
tecido pulmonar à busca da enzima encontrada, no caso a AMCase (abreviação em inglês de quitinase ácida de mamíferos). Encontraram muito mais AMCase que
nos roedores sadios. Quando a
equipe de Elias deu aos animais
um soro que bloqueava a ação da
quitinase, a inflamação nos pulmões dos roedores diminuiu.
"Essa relação é inédita. O desafio agora é achar anticorpos que
bloqueiem esse tipo de quitinase
em humanos para produzir novos medicamentos para a asma",
diz Elias, que já verificou que pulmões humanos com a doença
também têm grande quantidade
da enzima antiparasita.
"Na verdade a quitinase, que
deveria nos proteger de parasitas,
está desencadeando um efeito secundário nocivo em nosso sistema imunológico, envolvendo células conhecidas como linfócitos
T auxiliares", diz o cientista.
Segundo o pesquisador, uma
das substâncias produzidas por
esses glóbulos brancos, chamada
interleucina-13, tem íntima relação com a presença da AMCase.
Quanto mais quitinase, mais interleucina e mais inflamação.
A conseqüência imediata do estudo, a esperança de um novo
medicamento para a asma -os
pesquisadores de Yale já licenciaram a patente sobre a descoberta
para a companhia americana MedImmune-, não é a única, segundo Elias. Para ele, o achado
pode levar a um rápido método
de identificação de propensão genética a asma em humanos.
"A capacidade genética de alguém produzir quitinase pode estar ligada à propensão do indivíduo para asma", afirma.
Para Carlos Roberto Ribeiro de
Carvalho, especialista da área e
coordenador da Enfermaria de
Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP, a descoberta é importante para a compreensão da doença.
"É claro que há muito mais. Não
é um gene só e nem uma proteína
só que desencadeiam todo o processo. No entanto, a descoberta é
de grande importância, porque
abre um novo campo de ação para os medicamentos", diz Carvalho. "Não deve ser a cura da asma,
mas é um grande passo para entender melhor a doença", afirma.
Para Elias, que conhece o Brasil,
a descoberta pode ajudar também
os 16 milhões de brasileiros com
asma. "Estive em São Paulo só
uma vez, mas tenho parentes na
cidade e sei que ela é muito famosa pela poluição. Talvez a descoberta possa ajudar os muitos asmáticos que deve haver aí."
A pesquisa da equipe de Elias sai
publicada na edição de hoje do
periódico científico "Science"
(www.sciencemag.org).
Próximo Texto: Alta fidelidade: "Vocabulário" de cão é igual ao de criança de 3 anos Índice
|