São Paulo, sexta-feira, 11 de junho de 2004

Próximo Texto | Índice

MEDICINA

Proteína encontrada no pulmão de camundongos afetados sugere nova via para combater a doença respiratória

Enzima promete novo remédio antiasma

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma descoberta inesperada pode levar a um novo tipo de tratamento para a asma. Uma proteína comum do corpo, achada por acidente nos pulmões de roedores doentes, parece ser a chave para aliviar os pulmões e brônquios dos 7% da população mundial que sofrem da doença crônica (segundo dados da OMS).
A equipe do médico pneumologista Jack Elias, da Universidade Yale, nos EUA, descobriu uma ligação inédita entre uma enzima (proteína que acelera reações) chamada quitinase e a asma. Ao bloquearem a ação dessa substância em roedores asmáticos, os cientistas atenuaram os efeitos da doença. Além da esperança de novas drogas, essa relação reforça a noção de que a asma seja, na verdade, um subproduto indesejado de uma reação do sistema imunológico humano ao ataque de parasitas do ambiente.
Os pesquisadores estudavam camundongos com uma doença semelhante à asma e descobriram nos pulmões dos roedores uma substância na forma de pequenos cristais. "Aconteceu completamente por acaso. Vimos os cristais no pulmão dos roedores doentes e, de início, achamos que fossem cristais comuns no catarro. Mas aí alguém no meu laboratório disse: "E se não for isso?" Aí descobrimos lá uma quitinase", disse à Folha Elias, 53. "Percebemos que talvez tivesse relação com a asma. Afinal, ela aparecia tanto nos pulmões inflamados."
As quitinases são enzimas responsáveis por degradar a quitina, substância presente nas paredes celulares de fungos, nos exosqueletos (carapaças) de crustáceos e insetos e em vermes parasitas. Mamíferos não têm enzimas para produzir quitina -como têm os insetos-, mas possuem várias quitinases para repelir parasitas que dependem de quitina.
Desconfiados, os cientistas induziram ataques de asma nos camundongos e examinaram seu tecido pulmonar à busca da enzima encontrada, no caso a AMCase (abreviação em inglês de quitinase ácida de mamíferos). Encontraram muito mais AMCase que nos roedores sadios. Quando a equipe de Elias deu aos animais um soro que bloqueava a ação da quitinase, a inflamação nos pulmões dos roedores diminuiu.
"Essa relação é inédita. O desafio agora é achar anticorpos que bloqueiem esse tipo de quitinase em humanos para produzir novos medicamentos para a asma", diz Elias, que já verificou que pulmões humanos com a doença também têm grande quantidade da enzima antiparasita.
"Na verdade a quitinase, que deveria nos proteger de parasitas, está desencadeando um efeito secundário nocivo em nosso sistema imunológico, envolvendo células conhecidas como linfócitos T auxiliares", diz o cientista.
Segundo o pesquisador, uma das substâncias produzidas por esses glóbulos brancos, chamada interleucina-13, tem íntima relação com a presença da AMCase. Quanto mais quitinase, mais interleucina e mais inflamação.
A conseqüência imediata do estudo, a esperança de um novo medicamento para a asma -os pesquisadores de Yale já licenciaram a patente sobre a descoberta para a companhia americana MedImmune-, não é a única, segundo Elias. Para ele, o achado pode levar a um rápido método de identificação de propensão genética a asma em humanos.
"A capacidade genética de alguém produzir quitinase pode estar ligada à propensão do indivíduo para asma", afirma.
Para Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, especialista da área e coordenador da Enfermaria de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a descoberta é importante para a compreensão da doença.
"É claro que há muito mais. Não é um gene só e nem uma proteína só que desencadeiam todo o processo. No entanto, a descoberta é de grande importância, porque abre um novo campo de ação para os medicamentos", diz Carvalho. "Não deve ser a cura da asma, mas é um grande passo para entender melhor a doença", afirma.
Para Elias, que conhece o Brasil, a descoberta pode ajudar também os 16 milhões de brasileiros com asma. "Estive em São Paulo só uma vez, mas tenho parentes na cidade e sei que ela é muito famosa pela poluição. Talvez a descoberta possa ajudar os muitos asmáticos que deve haver aí."
A pesquisa da equipe de Elias sai publicada na edição de hoje do periódico científico "Science" (www.sciencemag.org).


Próximo Texto: Alta fidelidade: "Vocabulário" de cão é igual ao de criança de 3 anos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.