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Marcelo Gleiser
Brinquedos perigosos
Se somos controlados pelas forças de mercado, quanto tempo demorará para que a comercialização da genética seja feita?
Quando perguntaram a John von
Neumann, um dos primeiros a desenvolver programas para computadores
ainda na década de 1950 e inventor da
teoria dos jogos, quantos computadores achava que haveriam nos Estados
Unidos no futuro, o brilhante matemático respondeu "dezoito".
Von Neumann acreditava que computadores custariam mais caro na medida em que ficassem mais poderosos.
(Só para constar, seu gigantesco cérebro eletrônico ocupava um enorme salão em Princeton e tinha memória de
4 kilobytes.) Para ele, apenas algumas
organizações governamentais e privadas teriam recursos e necessidade de
ter essas máquinas, que seriam usadas
para cálculos extremamente complexos, como táticas de defesa global e
meteorologia. O que Von Neumann
não previu foi o que o físico e escritor
Freeman Dyson chama de "domesticação" do computador, o fato de que
computadores não só cresceriam em
potência mas diminuiriam de preço, a
ponto de hoje fazerem parte da vida de
centenas de milhões de pessoas, dos
três aos 90 anos de idade.
A plasticidade dos computadores se
deve ao sucesso do que chamamos de
interface, a maneira como homem e
máquina se comunicam. Quanto mais
acessível a máquina, mais desejável e,
portanto, mais comercial, ela é. E,
quanto mais comercial a máquina
maior a demanda e menor o preço.
Ademais, tecnologias evoluem de forma irreversível: seria impensável hoje
um mundo sem TV, rádio ou internet.
Os computadores estão aqui para ficar. Nenhum veículo na história da
humanidade trouxe voz para tantos. A
internet é o instrumento democrático
mais poderoso que existe. As pessoas
trocam idéias (boas e más, mal e bem
intencionadas) como nunca trocaram
antes, rapidamente, eficazmente. Esse
novo mundo dá vazão à criatividade,
seja ela artística ou técnica. A digitalização da cultura permite que qualquer
um vire artista, manipule imagens, áudio, pesquise textos, crie galerias de
arte virtuais e salões de discussão.
A domesticação do computador mudou o mundo irreversivelmente.
Qual será o produto a ser domesticado no século 21? Muitos dizem, e eu
concordo, que a ciência que mais crescerá será a biologia. Embora a tendência das ciências seja caminhar para
uma interdisciplinariedade crescente,
serão as questões da biologia, a origem
da vida, a manipulação de genes de
animais, pessoas e vegetais, o estudo
da mente pela neuropsicologia, que
provocarão as revoluções deste século.
Dentre as novas tecnologias, a que
mais tem causado estardalhaço é sem
dúvida o seqüenciamento do genoma,
humano e outros. As conseqüências
são enormes, tanto em termos de promessas de uma nova medicina quanto
em relação à questões éticas. O que fazer com alimentos transgênicos, com
a clonagem de animais e de humanos,
com o uso das células-tronco?
Em uma palestra recente, Dyson sugere que a tecnologia a ser domesticada será o seqüenciamento de DNA. Da
mesma forma como os computadores
ficaram acessíveis, a capacidade de
manipular genes também ficará. Adolescentes poderão inventar seus animais de estimação, híbridos de sapo e
beija-flor. Adultos poderão desenhar
sua prole. Dyson, muito espertamente, deixa a questão ética e da regulamentação de lado. Mas o que sugere
leva à reflexão. Se somos controlados
pelas forças de mercado, quanto tempo demorará para que a comercialização da genética seja feita? E como ficará determinado quem poderá brincar
com esse brinquedo perigoso?
MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim
da Terra e do Céu"
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