São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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Micro/Macro

Supercordas e dimensões extras

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

É perfeitamente plausível que o espaço tenha mais do que três dimensões. Como se sabe, nem tudo que existe é perceptível pelos sentidos. O fato de ninguém ver um vírus ou um elétron não significa que eles não sejam reais. Uma das funções da ciência é revelar esses mundos invisíveis aos nossos olhos, por meio de tecnologias que ampliam nossa percepção da realidade. No caso do vírus, são microscópios. No caso de elétrons e outras partículas subatômicas, são aceleradores de partículas.
Com as dimensões do espaço, a situação é um pouco mais delicada. Um dos grandes sonhos de muitos físicos é construir uma teoria que descreva de forma unificada as quatro forças que existem entre as partículas de matéria. Duas delas, a gravidade e o eletromagnetismo, conhecemos bem. As outras duas, as forças nucleares forte e fraca, existem apenas dentro do núcleo atômico. O grande desafio é tratar a gravidade em pé de igualdade com as outras três forças. Para isso, é necessário descrevê-la em termos quânticos, ou seja, como uma força transmitida por pequenos emissários chamados grávitons.
No caso do eletromagnetismo, os emissários chamam-se fótons. Imagine dois patinadores no gelo atirando bolas de bilhar um no outro. Se os patinadores forem elétrons se repelindo eletricamente, as bolas de bilhar são fótons. Como os elétrons têm massa, eles também se atraem gravitacionalmente, trocando grávitons.
O problema é que, segundo as leis da mecânica quântica, a parte da física que rege essas trocas de emissários de força entre partículas, não existe um limite no número e na energia dos grávitons que são trocados por partículas com massa. Ou seja, uma descrição quântica da gravidade leva a resultados absurdos, gerando números infinitos que não fazem sentido.
A solução, proposta durante os anos 80, é se livrar do conceito de partículas como sendo as entidades fundamentais de matéria. Por que não imaginar que todas as partículas que existem, as de matéria e os emissários de forças entre elas, são simplesmente vibrações diferentes de outro tipo de entidade, as supercordas? Antes de explicar o "super", explico a "corda". Tal como em cordas de violão, em que as notas correspondem a freqüências diferentes, pode-se imaginar que essas supercordas vibram de modos diversos, cada qual equivalente a um tipo de partícula. A vantagem é que cordas são objetos lineares, o que ajuda a curar os infinitos que aparecem quando partículas trocam grávitons. Ajuda, mas não resolve.
Para dar jeito mesmo no problema, as supercordas têm de existir em espaços com nove dimensões espaciais, seis a mais do que percebemos. O prefixo "super" vem de uma propriedade que esse objetos têm em dez dimensões, a supersimetria. Basicamente, em uma teoria supersimétrica, partículas de matéria e emissários de forças são conversíveis entre si. E isso cura os infinitos que aparecem na gravidade quântica. Resumindo, as partículas de matéria e as de força são todas vibrações de supercordas que existem em dez dimensões.
Parece loucura, mas não é. As seis dimensões extras só tinham o mesmo tamanho das outras três durante os primeiros momentos de existência do Universo, quando ele mesmo era tão pequeno quanto uma partícula. Com o tempo, as três dimensões que conhecemos cresceram, mas as seis extras continuaram submicroscópicas. (Ninguém sabe como se deu essa separação. Há várias propostas, inclusive algumas deste colunista, embora nenhuma convincente.)
Se elas existem mesmo, são tão pequenas que não podemos vê-las. Teorias recentes dizem que talvez elas não sejam tão minúsculas, podendo até ter tamanho semelhante ao de um vírus. Qualquer que seja o seu tamanho, a confirmação de sua existência causaria uma profunda revolução na nossa compreensão do mundo.


Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"


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