São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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CIÊNCIA
Técnica identifica na economia francesa do século 18 moedas produzidas no Brasil
Ouro brasileiro

HAROLDO CERAVOLO SEREZA
de Paris

O ouro do Brasil é quase uma síntese da exploração colonial mercantilista: produto de exportação da colônia -Brasil-, fonte quase inesgotável de riquezas para a metrópole -Portugal.
Onde foi parar o ouro do Brasil? A pergunta, que motivou os inconfidentes mineiros, ainda intriga os historiadores. As respostas, em geral vindas de análises de balanços de comércio exterior, indicam que a Inglaterra foi a grande beneficiária do ouro brasileiro.
Três pesquisadores franceses recorreram à física nuclear para comprovar a teoria de que o ouro de Minas Gerais também foi fundamental para o desenvolvimento francês no século 18.
Concluíram que, em 1786, quando houve a última grande fundição de moedas do período analisado, o ouro brasileiro compunha 30% das peças. E o da Colômbia, 8%.
De 1700 a 1780, Portugal teve um déficit comercial com a França de cerca de 218 milhões de libras turnois, a moeda francesa da época, segundo os balanços de comércio exterior. A partir da análise do ouro, o grupo obteve um número próximo: teriam chegado ao país 212 milhões de libras turnois em ouro brasileiro -o equivalente a 86 toneladas de ouro. Na época, a França exportava quase o mesmo que a Inglaterra: tecidos de linho e lã, papéis (e livros) e produtos feitos de ferro -de arados a panelas.
"Com a medição do ouro do Brasil, pudemos quantificar com precisão o fluxo do comércio francês", disse à Folha Christian Morrisson, um dos autores do trabalho. A França foi o segundo maior parceiro comercial de Portugal, atrás da Inglaterra. No período, porém, o comércio entre França e Portugal teve crescimento relativo maior que o entre Inglaterra e Portugal.
No século 18, só os metais preciosos (ouro e prata) exerciam o papel de mercadoria com valor de troca. Nem o governo real nem o sistema bancário incipiente tinham credibilidade suficiente para emitir moeda (fiduciária ou escritural) que fosse aceita pela população. Alguns comerciantes trocavam letras de câmbio, mas em circuitos muito fechados.
Para definir com precisão a origem do ouro, Morrisson, do Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade Paris 1, e Cécile Morrisson, da Biblioteca Nacional, se uniram ao físico Jean-Noël Barrandon, diretor do centro Ernest-Babelon, em Orléans, onde está o ciclotron (acelerador de partículas) usado no estudo.
Nas 127 moedas cunhadas na França analisadas, o ouro está em maior proporção. Prata e cobre ajudam a formar a liga.
Os três juntos compõem mais de 99% do conteúdo das peças. Mas são os outros elementos químicos, em quantidade extremamente reduzida, contados em partes por milhão, que permitem analisar a origem do ouro.
No ouro extraído de Minas Gerais, há o que os pesquisadores chamam de elemento-traço ou marcador -em geral um metal ou semi-metal, associado ao ouro, que é encontrado em quantidades específicas apenas naquela região.
No caso do Brasil, o elemento-traço é o paládio (Pd). No ouro de Minas Gerais, o paládio costuma ser encontrado em quantidades muito superiores às do ouro de outras minas.
No período pesquisado, o principal "concorrente" do ouro brasileiro foi o ouro da Colômbia, explorado pelos espanhóis. Esse ouro tem também seu marcador, que é a platina.
Mas nem sempre isso acontece. O ouro que os espanhóis encontraram no México não tem elemento associado que o marque. Como um átomo de ouro é sempre igual a um átomo de ouro, independente do local do em que seja encontrado, não é possível identificar quanto ouro mexicano há nas moedas européias.



A OBRA
Or du Brésil, monnaie et croissance en France au 18eme siècle - Christian Morrisson, Cécile Morrison e Jean-Noël Barrandon. CNRS Editions. 171 francos (cerca de US$ 28,50).

Onde encomendar - em São Paulo, na Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275, fundos, tel. 011/231-4555).




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