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"Carbono de floresta virou um problema"
Para líder de coalizão de países tropicais, esquemas de crédito de carbono por desmatamento evitado saíram do controle
Papuano Kevin Conrad diz que mundo está num bom caminho para um mau acordo do clima e que EUA ainda são maior problema
IISD
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O papuano Kevin Conrad, que propõe a criação de mercados para o carbono do desmate evitado
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Governadores da Amazônia
deveriam pensar duas vezes antes de assinar contratos de venda de créditos de carbono por
desmatamento evitado. A opinião é justamente do maior defensor de um mecanismo de
mercado para carbono de florestas, Kevin Conrad, 40.
"Nós chamamos o mercado
voluntário de ouro de tolo",
afirmou. "Eles vão assinar contratos e o dinheiro não virá,
porque ele não existe."
Funcionário do governo de
Papua-Nova Guiné, Conrad lidera a Coalizão das Florestas
Tropicais, um grupo de 40 países que desde 2005 tenta incluir um mercado para o carbono de florestas no novo acordo
contra o aquecimento global.
Esse mecanismo, o chamado
Redd (Redução de Emissões
por Desmatamento e Degradação Florestal), está hoje em negociação no âmbito da Convenção do Clima das Nações Unidas e deve ser definido em dezembro em Copenhague.
Ontem, em Bonn (Alemanha), teve início uma nova rodada de negociações do novo
acordo, com um alerta do secretário-executivo da convenção, Yvo de Boer, de que "o
tempo está se esgotando".
Na ONU, Conrad tem protagonizado disputas com a delegação brasileira. O Brasil defende que o Redd seja feito apenas
de fundos voluntários, como o
Fundo Amazônia, que não valem créditos comercializáveis.
A coalizão defende um mecanismo de mercado -mas um
mercado regulamentado global, e não os acordos voluntários que vêm pipocando por aí.
Em entrevista à Folha, o papuano explicou por que está
tentando combater os mercados voluntários em seu país e
fez sua previsão para Copenhague: "Estamos num bom caminho para um acordo que não
seja ambicioso". Leia a seguir.
FOLHA - Na conferência de Bali, em
2007, o sr. disse ao governo dos EUA
para "liderar ou sair do caminho".
Para quem o sr. diria isso hoje?
KEVIN CONRAD - Eu ainda acho
que os EUA, talvez não a administração Obama em si, mas alguns dos senadores no Congresso, ainda precisam desse tipo de bronca. Ainda há muito
jogo de empurra vindo dos
EUA: "Os EUA não farão isto se
a China não fizer aquilo", ou
"nós vamos andar devagar porque nossa economia é muito
complexa". Há muitas pré-condições que nós esperaríamos
que não viessem do maior
emissor de todos os tempos.
Estamos indo a Copenhague
montados nas costas de uma
desaceleração econômica. Os
principais emissores têm interesse em andar mais devagar
hoje. Eu acho que nós temos
uma chance boa de ter um
acordo que não seja ambicioso.
FOLHA - O sr. apoia a proposta brasileira de licenciamento compulsório de tecnologias de energia?
CONRAD - Acho que seria útil.
Se o licenciamento de tecnologias for um impedimento a economias mais limpas, precisamos pensar em como fazer as
coisas acontecerem, é isso o
que o Brasil está tentando.
FOLHA - Hoje há duas visões em
debate sobre o Redd. De um lado está o Brasil, defendendo fundos voluntários. Do outro, a Coalizão das
Florestas Tropicais, liderada pelo sr.,
defendendo um mecanismo de
mercado. Que visão prevalecerá?
CONRAD
- Ambas. O que a coalizão está dizendo é que nós precisamos dar um passo de cada
vez. Precisamos mobilizar fundos voluntários para ajudar os
países a se prepararem. Não podemos soltar as forças do mercado imediatamente. Mas, em
toda a história da humanidade,
não houve nenhum momento
no qual países ricos tenham
mobilizado capital suficiente
para enfrentar problemas nos
países do Terceiro Mundo voluntariamente.
FOLHA - A Noruega se comprometeu a dar US$ 1 bilhão para o Fundo
Amazônia...
CONRAD - Claro, a Noruega deu
US$ 1 bilhão, e nenhum outro
país além da Alemanha se comprometeu. Se você olha para o
que é necessário, nossa projeção é algo entre US$ 30 bilhões
e US$ 60 bilhões por ano.
FOLHA - São US$ 30 bilhões a US$
60 bilhões para proteger florestas?
CONRAD - Nós estamos no processo agora de valorar cada um
desses estágios. Quanto precisamos para cada país, por ano,
para ajudá-los a chegar aonde o
Brasil está? O Brasil tem satélites, consegue detectar desmatamento, mandar fiscalização.
Muitos outros países não chegaram lá ainda. Quanto custa
para eles chegarem? Esse é o
estágio do meio, o da demonstração. E, apenas quando você
tiver preparado instituições e
políticas que sejam robustas o
suficiente para permitir as forças de mercado, você teria a opção de um mercado. O que o
Brasil está dizendo é para ficarmos felizes com os dois primeiros estágios e considerar o mercado num acordo futuro.
FOLHA - O sr. então não defende
que o mercado comece a operar já?
CONRAD - Se um país está pronto para entrar num mecanismo
de mercado, ele deve ter o direito de fazê-lo. Mas a imensa
maioria dos países do Redd ainda não está pronta, e precisará
de vários anos de um mecanismo de fundos para se preparar.
FOLHA - O governo brasileiro diz
que um mercado para desmatamento evitado livraria os países ricos de reduções domésticas ao dar-lhes a liberdade de comprar créditos
florestais baratos.
CONRAD - Esses são medos de
um processo desregulado. Nenhum de nós quer ver os países
do Anexo 1 [industrializados]
terem uma desculpa para continuar com seu estilo de vida de
emissões altas. O que propomos é que o Anexo 1 tem de
adotar metas maiores se quiser
usar o Redd. Não pode ser uma
cláusula de escape, como o
MDL [Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, criado do
acordo de Kyoto, segundo o
qual países ricos podem comprar créditos de países pobres].
É curioso que o Brasil não queira uma cláusula de escape para
o Redd, mas esteja feliz com
uma cláusula de escape para o
MDL. Isso é hipocrisia. O que
estamos pedindo é que, quando
a UE vem e diz que vai adotar
uma meta de 20% de redução
de emissões ou de 30% se os
países em desenvolvimento fizerem alguma coisa... é disso
que precisamos. Que, se o Redd
chegar ao mercado, eles se voluntariem a ir de 20% para 30%
ou de 30% para 40%.
FOLHA - Há um outro problema no
mercado para o Redd que é de ordem filosófica: você estaria pagando as pessoas para fazerem algo que
a lei já exige que elas façam.
CONRAD - Isso pode ser verdade
no Brasil, mas não na maioria
dos países em desenvolvimento. Em Papua-Nova Guiné, 97%
das terras estão em mãos de
proprietários privados. E não
há lei que diga que eles não podem cortar as árvores; as árvores são deles. O Brasil está à
frente dos outros. Não podemos desenhar um mecanismo
de Redd baseado no Brasil.
FOLHA - Qual será o futuro do Fundo Amazônia? Haverá dinheiro?
CONRAD - Eu acho que foi um
primeiro passo muito importante, mas não acredito que se
tornará viável e funcional com
o modelo de doação existente.
FOLHA - Qual é a situação de Papua
no combate ao desmatamento?
CONRAD - Estamos concentrados agora em duas questões:
primeiro, fazer as análises que
o Brasil já faz: entender onde o
desmatamento acontece, por
quê, e o que fazer para contê-lo.
A outra coisa é que estamos
tendo problemas com pessoas
que tentam assinar contratos
voluntários [de Redd] que
usam padrões diferentes dos
que a Convenção do Clima usa.
O Brasil está tendo esse problema também. Estamos tentando
refrear a introdução desses padrões e criar um padrão único.
FOLHA - O sr. recomendaria a governadores no Brasil, por exemplo,
que mergulhassem nesse mercado?
CONRAD - Eu acho que é um negócio arriscado, porque não há
certeza de que haverá dinheiro
suficiente. Todo o mercado voluntário no ano passado foi de
US$ 700 milhões, no mundo.
Um único Estado no Brasil pode beber todo esse dinheiro e
ainda haveria desmatamento.
Nós chamamos o mercado voluntário de ouro de tolo. Ele representa menos de 1% do mercado global de reduções compulsórias. Essas coisas que os
governadores estão assinando
não são parte da Convenção do
Clima. Vários desses governadores não estão fazendo a análise econômica adequada. Eles
vão assinar contratos e o dinheiro não virá, porque ele não
existe, não está no mercado.
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