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"Não basta aumentar as gaiolas"
VINICIUS MOTA
EDITOR DE MUNDO
Depois de cuidadosa avaliação, a Secretaria de Estado
chegou a uma decisão final
e expediu ordem pessoal
para que o sr. seja excluído do Reino
Unido, com base em que a sua presença não é compatível com o interesse público." O destinatário da
carta do Ministério do Interior britânico não é nenhum clérigo islâmico
acusado de propagar o ódio terrorista.
Trata-se do norte-americano Steven Best, 49, professor de filosofia na
Universidade do Texas em El Paso.
Organizador de "Terrorists or Freedom Fighters? Reflections on the Liberation of Animals" [Terroristas ou
guerreiros da liberdade? Reflexões
sobre a libertação dos animais], Best
é um dos mais citados teóricos da
"ação direta" e do "abolicionismo",
duas das facetas radicais do movimento por direitos dos animais.
O filósofo banido do Reino Unido
há 11 dias que, em pleno Texas dos
cowboys carnívoros, luta para convencer as pessoas a se tornar vegetarianas, falou à Folha por telefone.
Leia trechos da conversa.
Folha - No Reino Unido, ativistas pelos direitos dos animais, durante campanha para fechar uma fazenda que
criava porquinhos-da-índia para pesquisa médica, chegaram a roubar da
sepultura os restos mortais da sogra
de um dos proprietários. Você concorda com esses meios?
Steven Best - Essa campanha foi
talvez a mais dura já travada. Além
de terem alvejado a família destruindo sua propriedade, [os ativistas] alvejavam todos no vilarejo que tinham relação com a família. Isso
mostra o quão longe esse movimento está disposto a ir para fechar uma
fazenda de criação -já fecharam
cinco desse tipo no Reino Unido.
Sem levar em conta o contexto da
ação, parece que essas pessoas são
más ou terroristas. Mas, sejam quais
forem os danos que eles tenham imposto à família e à comunidade, eles
não se comparam aos que todas as
famílias de criadores e os laboratórios têm feito aos porquinhos-da-índia. Os ativistas não fizeram isso
porque gostam de produzir dor nas
pessoas, mas porque queriam impedir que a família infligisse mais dor a
um sem-número de animais. Outro
aspecto importante é que o governo
[britânico] se aliou às grandes empresas de biotecnologia. Ignora as
leis de bem-estar animal e protege
criadores e laboratórios de toda forma possível. Os ativistas abandonaram a ilusão de que o governo protegeria o bem-estar animal.
Folha - Então a ação se justifica?
Best - A verdadeira fonte de violência e de terrorismo é a que é aplicada
a esses animais. Há momentos em
que a violência é necessária. Nós a
usamos para dar cabo da 2ª Guerra
Mundial, a usamos em casos de autodefesa e quando os animais não
podem defender a si mesmos e exigem defesa. Não é justo usar violência para defender seres inocentes?
Não questionamos isso quando se
trata de seres humanos. Mas, quando esses seres inocentes são animais,
isso se torna terrorismo.
Folha - Você se refere muito a Karl
Marx em suas obras. Animais constituem alguma classe social ou política?
Best - A analogia tem de acabar em
algum ponto, pois os animais não
são seres capazes de auto-organização política. Isso é o que fortalece o
argumento de utilizar a sabotagem e
outras táticas para defendê-los, pois
eles não podem se defender.
Já a categoria marxista de "exploração", por exemplo, é muito importante. Grupos são explorados quando seu trabalho e seus corpos são
utilizados para gerar lucro para outros. Os animais, nesse sentido, são
explorados e são escravos, pois não
consentem com a sua exploração.
Folha - Uma sociedade em que os
animais estivessem todos libertados
seria também livre da exploração de
grandes empresas?
Best -Há uma luta mais geral, contra hierarquias e explorações de todo
tipo. Algumas vezes, dentro da comunidade que luta pela libertação
animal, há influência anarquista
muito pronunciada. As pessoas
compreendem que a libertação humana e a animal são um projeto comum. Se tiverem sofisticação teórica, entenderão que as indústrias que
exploram os animais são capitalistas, obedecem à lógica capitalista.
O único argumento que as indústrias capitalistas escutam é o econômico. E o argumento econômico
que [grupos pela libertação animal]
impõem é o da sabotagem e o da
pressão incessante.
Mas o movimento pelos direitos
dos animais como um todo é em geral apolítico e abriga todo tipo de variação. Há ativistas republicanos [do
partido de Bush]. Acredito, porém,
que precisamos de uma teoria e uma
política anticapitalistas para lutar
pela libertação de todo ser oprimido.
Folha - Trinta anos se passaram desde que Peter Singer publicou pela primeira vez o clássico "Libertação Animal". O que disse permanece correto?
Best - Peter Singer é um [pensador]
utilitarista, não é um filósofo nem
um ativista dos direitos dos animais.
Quando ele acredita que o sacrifício
dos interesses dos animais e dos seres humanos pode gerar uma quantidade maior de felicidade, esses animais podem ser sacrificados.
Não podemos sacrificar interesses
humanos nem dos animais sob nenhuma hipótese, e isso inclui a vivissecção [operação com animais vivos]. Ninguém no movimento antivivissecção segue Singer, porque essas pessoas são teóricas dos direitos
dos animais, são abolicionistas.
Não estamos interessados em
afrouxar as correntes dos escravos
nem em aumentar o tamanho de
suas gaiolas. Queremos arrebentar
as correntes e abrir as gaiolas.
Nos EUA, o movimento pelos direitos dos animais é majoritariamente legalista. Acreditam que podem vencer sempre dentro do sistema legal. Mas os libertários e os ativistas da ação direta sabem que isso
é uma ilusão, uma ingenuidade, pois
aqui, como no Reino Unido, as empresas controlam o Estado, e o Estado trabalha de acordo com elas.
Folha - Qual é o objetivo imediato
do movimento?
Best -No Reino Unido, é abolir a vivissecção, em troca de meios alternativos de experimentos. Nos EUA,
é promover o vegetarianismo e tentar mitigar o holocausto dos animais. Mais de 10 bilhões de animais
morrem aqui todos os anos!
Folha - Como alcançar seu objetivo
de uma sociedade 100% vegetariana?
Best - Temos de adotar todas as táticas, o que inclui ataques a fazendas,
destruição de propriedade etc. Mas
o mais importante é a educação para
o vegetarianismo e as filosofias dos
direitos animais. Não confio muito
em campanhas pelo bem-estar dos
animais que querem aumentar o tamanho das gaiolas ou matar galinhas em câmaras de gás em vez de
cortar-lhes o pescoço.
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