São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2005

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"Não basta aumentar as gaiolas"

VINICIUS MOTA
EDITOR DE MUNDO

Depois de cuidadosa avaliação, a Secretaria de Estado chegou a uma decisão final e expediu ordem pessoal para que o sr. seja excluído do Reino Unido, com base em que a sua presença não é compatível com o interesse público." O destinatário da carta do Ministério do Interior britânico não é nenhum clérigo islâmico acusado de propagar o ódio terrorista.
Trata-se do norte-americano Steven Best, 49, professor de filosofia na Universidade do Texas em El Paso. Organizador de "Terrorists or Freedom Fighters? Reflections on the Liberation of Animals" [Terroristas ou guerreiros da liberdade? Reflexões sobre a libertação dos animais], Best é um dos mais citados teóricos da "ação direta" e do "abolicionismo", duas das facetas radicais do movimento por direitos dos animais.
O filósofo banido do Reino Unido há 11 dias que, em pleno Texas dos cowboys carnívoros, luta para convencer as pessoas a se tornar vegetarianas, falou à Folha por telefone. Leia trechos da conversa.
 

Folha - No Reino Unido, ativistas pelos direitos dos animais, durante campanha para fechar uma fazenda que criava porquinhos-da-índia para pesquisa médica, chegaram a roubar da sepultura os restos mortais da sogra de um dos proprietários. Você concorda com esses meios?
Steven Best -
Essa campanha foi talvez a mais dura já travada. Além de terem alvejado a família destruindo sua propriedade, [os ativistas] alvejavam todos no vilarejo que tinham relação com a família. Isso mostra o quão longe esse movimento está disposto a ir para fechar uma fazenda de criação -já fecharam cinco desse tipo no Reino Unido.
Sem levar em conta o contexto da ação, parece que essas pessoas são más ou terroristas. Mas, sejam quais forem os danos que eles tenham imposto à família e à comunidade, eles não se comparam aos que todas as famílias de criadores e os laboratórios têm feito aos porquinhos-da-índia. Os ativistas não fizeram isso porque gostam de produzir dor nas pessoas, mas porque queriam impedir que a família infligisse mais dor a um sem-número de animais. Outro aspecto importante é que o governo [britânico] se aliou às grandes empresas de biotecnologia. Ignora as leis de bem-estar animal e protege criadores e laboratórios de toda forma possível. Os ativistas abandonaram a ilusão de que o governo protegeria o bem-estar animal.

Folha - Então a ação se justifica?
Best -
A verdadeira fonte de violência e de terrorismo é a que é aplicada a esses animais. Há momentos em que a violência é necessária. Nós a usamos para dar cabo da 2ª Guerra Mundial, a usamos em casos de autodefesa e quando os animais não podem defender a si mesmos e exigem defesa. Não é justo usar violência para defender seres inocentes? Não questionamos isso quando se trata de seres humanos. Mas, quando esses seres inocentes são animais, isso se torna terrorismo.

Folha - Você se refere muito a Karl Marx em suas obras. Animais constituem alguma classe social ou política?
Best -
A analogia tem de acabar em algum ponto, pois os animais não são seres capazes de auto-organização política. Isso é o que fortalece o argumento de utilizar a sabotagem e outras táticas para defendê-los, pois eles não podem se defender.
Já a categoria marxista de "exploração", por exemplo, é muito importante. Grupos são explorados quando seu trabalho e seus corpos são utilizados para gerar lucro para outros. Os animais, nesse sentido, são explorados e são escravos, pois não consentem com a sua exploração.

Folha - Uma sociedade em que os animais estivessem todos libertados seria também livre da exploração de grandes empresas?
Best -
Há uma luta mais geral, contra hierarquias e explorações de todo tipo. Algumas vezes, dentro da comunidade que luta pela libertação animal, há influência anarquista muito pronunciada. As pessoas compreendem que a libertação humana e a animal são um projeto comum. Se tiverem sofisticação teórica, entenderão que as indústrias que exploram os animais são capitalistas, obedecem à lógica capitalista.
O único argumento que as indústrias capitalistas escutam é o econômico. E o argumento econômico que [grupos pela libertação animal] impõem é o da sabotagem e o da pressão incessante.
Mas o movimento pelos direitos dos animais como um todo é em geral apolítico e abriga todo tipo de variação. Há ativistas republicanos [do partido de Bush]. Acredito, porém, que precisamos de uma teoria e uma política anticapitalistas para lutar pela libertação de todo ser oprimido.

Folha - Trinta anos se passaram desde que Peter Singer publicou pela primeira vez o clássico "Libertação Animal". O que disse permanece correto?
Best -
Peter Singer é um [pensador] utilitarista, não é um filósofo nem um ativista dos direitos dos animais. Quando ele acredita que o sacrifício dos interesses dos animais e dos seres humanos pode gerar uma quantidade maior de felicidade, esses animais podem ser sacrificados.
Não podemos sacrificar interesses humanos nem dos animais sob nenhuma hipótese, e isso inclui a vivissecção [operação com animais vivos]. Ninguém no movimento antivivissecção segue Singer, porque essas pessoas são teóricas dos direitos dos animais, são abolicionistas.
Não estamos interessados em afrouxar as correntes dos escravos nem em aumentar o tamanho de suas gaiolas. Queremos arrebentar as correntes e abrir as gaiolas.
Nos EUA, o movimento pelos direitos dos animais é majoritariamente legalista. Acreditam que podem vencer sempre dentro do sistema legal. Mas os libertários e os ativistas da ação direta sabem que isso é uma ilusão, uma ingenuidade, pois aqui, como no Reino Unido, as empresas controlam o Estado, e o Estado trabalha de acordo com elas.

Folha - Qual é o objetivo imediato do movimento?
Best -
No Reino Unido, é abolir a vivissecção, em troca de meios alternativos de experimentos. Nos EUA, é promover o vegetarianismo e tentar mitigar o holocausto dos animais. Mais de 10 bilhões de animais morrem aqui todos os anos!

Folha - Como alcançar seu objetivo de uma sociedade 100% vegetariana?
Best -
Temos de adotar todas as táticas, o que inclui ataques a fazendas, destruição de propriedade etc. Mas o mais importante é a educação para o vegetarianismo e as filosofias dos direitos animais. Não confio muito em campanhas pelo bem-estar dos animais que querem aumentar o tamanho das gaiolas ou matar galinhas em câmaras de gás em vez de cortar-lhes o pescoço.


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