São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2004

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BIOLOGIA

Experiência faz peças menores montarem sozinhas em laboratório partes de proteínas, os tijolos dos organismos

Gás de vulcão é gatilho na origem da vida

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o célebre experimento de Urey-Miller fosse um filme, esta sem dúvida seria a continuação. Usando gás de vulcão, pesquisadores nos EUA conseguiram fazer com que um pedaço de proteína -o tijolo básico usado na construção dos seres vivos- se construísse sozinho, a partir de seus constituintes mais simples.
Verdade, a tarefa de reconstruir todos os passos da origem da vida em laboratório segue sendo um sonho distante, mas trata-se de um avanço no mínimo interessante. O sucesso veio de Luke Leman e Reza Ghadiri, do Instituto de Pesquisa Scripps, e Leslie Orgel, do Instituto Salk para Estudos Biológicos, todos na Califórnia.
O mais famoso experimento que tentou reproduzir a origem da vida foi executado em 1953, por Harold Urey e seu estudante de pós-graduação, Stanley Miller. Eles reuniram num recipiente o que se supunha ser a composição da atmosfera terrestre nos primórdios de sua história e expuseram o material a raios ultravioleta, para simular a ação solar.
O resultado foi o surgimento de vários aminoácidos, substâncias orgânicas que estão na base da vida, a partir de compostos simples como metano, amônia e água. A partir daí, deu para começar a levar a sério a hipótese de que a complexa química envolvida nos processos vitais pudesse emergir de um ambiente sem vida. Mas esse era apenas o primeiro passo de um longo caminho.
Até hoje, por exemplo, ninguém havia conseguido dar direito o segundo passo. Sabe-se que os aminoácidos são encadeados em seqüência para formar as proteínas, os tijolos dos organismos. Hoje, com a vida já estabelecida, cabe a fábricas especializadas dentro das células, os ribossomos, a tarefa de ler as receitas do código genético e a partir delas montar as proteínas encadeando aminoácidos, como se brincasse com peças de Lego.
Mas, numa época em que não havia nenhum ser vivo para brincar de Lego, alguma reação não-biológica precisou inventar o brinquedo sozinha, para que ele fosse depois incorporado à vida.
O experimento conduzido por Leman, Ghadiri e Orgel dá um passo tantalizante nessa direção. Misturando aminoácidos a uma substância chamada sulfureto de carbonilo (a fórmula química, por incrível que pareça, é bem mais simpática: COS), eles conseguiram obter a formação de peptídeos, cadeias maiores de aminoácidos que consistem em pedaços de proteína. E isso em apenas alguns minutos de reação, a uma temperatura ambiente.
Os resultados foram relatados na última edição do periódico científico americano "Science" (www.sciencemag.org).
O verdadeiro herói da façanha é o COS, um gás comum produzido por vulcões. Portanto, caso os pesquisadores estejam na trilha certa, a origem da vida deve estar ligada a ambientes radicais, como em fossas termais no oceano ou próximo a terrenos vulcânicos.
"Esse é um cenário bem popular agora", diz Orgel, quase oferecendo a porta da rua ao velho cenário de que a vida teria surgido num lago morno, como sugeriu o britânico Charles Darwin (1809-1882), criador da teoria da origem das espécies pela seleção natural.
Ainda assim, o pesquisador diz que é cedo para incluir seus resultados na lista de clássicos como o experimento de Urey-Miller. "Ainda não entendemos muito dos primeiros passos na origem da vida, então é difícil estimar a relevância de qualquer conjunto particular de experimentos."

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