São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

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+Marcelo Gleiser

Einstein e o Antropólogo


Um físico não pode se dar o luxo de se esconder por trás de arbustos


Imagine ser um dos maiores cientistas da história. Suas teorias revolucionaram a visão de mundo humana, tornando-se sinônimo de genialidade. Sua missão, como a de todo o cientista, é compreender o mundo, descrever de forma racional os mecanismos dos fenômenos naturais. Na história, poucos, pouquíssimos, igualam-se a você. Sua filosofia baseia-se numa fé inabalável na capacidade da razão humana em decifrar os mistérios da matéria. Sem limites.
Dentre seus feitos, um dos mais importantes foi mostrar que matéria nada mais é do que uma forma de energia. Outro, foi mostrar que a luz não é apenas onda mas, também, uma partícula, que ficou conhecida como fóton. Essas ideias virão a ser o arcabouço duma outra revolução do conhecimento, a física quântica. De forma inusitada, as sementes que você havia plantado com suas teorias germinam com uma força incrível.
Num dado momento, porém, atendidas por outras mãos, elas tomam o seu próprio rumo. E, rapidamente, ameaçam arruinar o mundo que você havia construído, baseado na compreensão ilimitada da Natureza, um mundo controlável e sem surpresas. Assim foi a teoria quântica que, aos poucos, tornou-se no pesadelo de Albert Einstein.
Einstein era um físico clássico por excelência. Acreditava que era possível obter uma explicação total da realidade, uma teoria unificada que descrevesse todas as facetas do mundo material. Quando a teoria quântica começou a tomar força, ficou claro que o mundo do muito pequeno era muito mais sutil, e muito mais excêntrico, do que o mundo do dia a dia.
Fenômenos realmente estranhos são de praxe nos átomos. Por exemplo, partículas subatômicas, como elétrons, podem se transformar em partículas de luz e vice-versa. Imagine se, no nosso mundo, um fusca pudesse se transformar num elefante! Partículas não têm sua posição definida com precisão arbitrária: existe sempre um limite, que chamamos de princípio da incerteza, que restringe a quantidade de informação que podemos extrair de um sistema.
Eis uma analogia. Um antropólogo descobre uma nova tribo no Amazonas. Essa tribo nunca teve contato com um ocidental. Inicialmente, o antropólogo consegue observar a tribo sem ser visto, escondido por trás de arbustos. Porém, depois de um tempo, um sentinela o descobre e ele é trazido ao chefe. Após muita confusão, o antropólogo consegue sobreviver e virar convidado da tribo, continuando suas observações. Porém, ele percebe que, após a sua chegada, a tribo já não se comporta da mesma forma: a sua presença, o contato com um estranho, mudou de forma irreversível o comportamento da tribo.
Com átomos, a situação é ainda mais difícil. Ao medirmos um sistema, mudamos o seu comportamento de forma irreversível. Ao contrário do antropólogo, o físico não tem o luxo de poder se esconder por trás de arbustos e observar o sistema sem ser visto: no mundo dos átomos e das partículas, medir é interferir: ao observarmos um sistema, mudamos irreversivelmente o seu comportamento.
Juntando isso ao princípio de incerteza, chegamos ao dilema de Einstein: se prepararmos o mesmo sistema da mesma forma várias vezes, e medirmos a mesma propriedade (por exemplo, a posição do elétron num átomo de hidrogênio a uma certa temperatura), cada medida que fizermos não dará o mesmo resultado. Temos de repeti-la muitas vezes e usar estatística: o elétron tem uma parcela de chance de estar aqui, outra de estar lá etc. Einstein queria ser como o antropólogo. Mas a tribo dos átomos é muito diferente da tribo dos homens.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"



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