São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

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ARQUEOLOGIA

Sítios em Itapevi são estudados antes de construção de fábrica; portaria do Iphan exige trabalho de salvamento

Escavação na Grande SP acha peças raras

Roosevelt Cassio/Folha Imagem
Arqueóloga Cintia Bendazzoli trabalha em escavações em Itapevi


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um raro mosaico arqueológico de boa parte das culturas que se sucederam na região da Grande São Paulo foi encontrado por pesquisadores num terreno que deve abrigar, em breve, uma fábrica de remédios. Os vestígios vão de ferramentas de pedra e fogueiras com milhares de anos à cerâmica produzida por tupis, bandeirantes e até caboclos do século 19.
Os cinco sítios de onde vêm os achados estão no município de Itapevi (43 km a oeste de São Paulo) e podem trazer contribuições importantes para entender o cotidiano do ciclo bandeirante, de acordo com a arqueóloga Erika Robrahn-González, coordenadora das escavações.

Sítios pioneiros
"Para a Grande São Paulo, esses achados são extremamente raros", diz a pesquisadora da Documento Antropologia e Arqueologia, empresa que conduz operações de salvamento arqueológico. Nesse tipo de trabalho, áreas que vão ser ocupadas por novas construções ou obras públicas passam primeiro por um levantamento de prováveis sítios, cujo conteúdo seria, do contrário, perdido.
Há pouco mais de um ano, conta a pesquisadora, áreas como a do terreno da Eurofarma Laboratórios Ltda., com menos de 1 milhão de metros quadrados, não precisariam passar por esse tipo de levantamento. Contudo, uma portaria do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) passou a determinar que qualquer obra que exigisse estudo de impacto ambiental no Estado de São Paulo incluísse a busca por material arqueológico.

Sílex e cerâmica
No acidentado terreno de 120 mil metros quadrados, a equipe deparou com pelo menos dois sítios com ferramentas fabricadas pelos mais antigos habitantes do Estado -caçadores-coletores que vagavam por São Paulo entre 9.500 e 2.000 anos atrás.
Os artefatos foram feitos com sílex, um dos minerais mais adequados para esse tipo de trabalho, transportado até ali por dezenas de quilômetros, ao que tudo indica. O carvão de fogueiras perto dos instrumentos deverá permitir uma estimativa mais precisa de sua antiguidade.
Os vestígios são bem mais abundantes, no entanto, num sítio mais abaixo. "Aqui provavelmente houve um pouco de aragem manual [com enxada], mas ela não foi suficiente para perturbar muito o solo, que tinha muitos restos de cerâmica numa camada de apenas 30 centímetros pouco abaixo da superfície", explica a arqueóloga Cintia Bendazzoli, que participa do trabalho.
Os pesquisadores estimam que os numerosos cacos datem dos séculos 17 e 18 e documentem o período imediatamente posterior ao contato de indígenas com portugueses e escravos nos campos de Piratininga, como se chamava então a região de São Paulo.
A mistura de influências culturais produziu uma cerâmica mestiça, que mesclava as decorações tupis -marcas feitas com a unha ou escovando o barro com sabugos de milho- com alças, coisa nunca vista na área antes da chegada dos portugueses.
Alças, aliás, curtas demais para ajudarem a segurar direito a peça: "É como se eles copiassem o elemento, mas com outra função", explica Erika Robrahn-González. A mistura também podia ser entre índio e negro -como cachimbos de barro com rostos que lembram motivos africanos.
A quantidade de peças deixa claro que o lugar não foi utilizado apenas uma ou duas vezes, nem só por poucos dias de cada vez. Os pesquisadores dizem acreditar que ali possa ter havido um local de pouso frequente para expedições ou tropas que iam e voltavam da vila de São Paulo na época dos bandeirantes.
Séculos depois, durante a formação do que os arqueólogos chamam de "cinturão caipira" de São Paulo, novos vestígios mostram a presença de faiança portuguesa e de outro tipo de cerâmica, despida de influências indígenas.

Cartilha e exposição
Os cientistas planejam publicar os resultados das escavações num periódico científico, criar uma cartilha escolar sobre o trabalho para crianças de Itapevi e realizar uma exposição temporária.
"Esses achados servem para alertar os municípios da Grande São Paulo de que os sítios estão aí e de que são parte importante da história deles", diz a arqueóloga Robrahn-González.



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