São Paulo, quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004

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PALEONTOLOGIA

Animal de 400 milhões de anos achado na Escócia foi "escavado" em museu e provavelmente já tinha asas

Análise de fóssil revela inseto mais antigo

REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Graças a um golpe de sorte, dois pesquisadores americanos descobriram que um fóssil abandonado num museu por quase 80 anos é, na verdade, o mais antigo inseto do planeta. A criatura de 400 milhões de anos, de quebra, mostra anatomia surpreendentemente "moderna" e deve ter tido asas, o que sugere uma origem ainda mais antiga para o grupo.
"Nós meio que engasgamos quando demos uma olhada nele com o microscópio. Mas depois percebi que aquilo não era só minha imaginação", brinca o paleoentomólogo (estudioso de insetos fósseis) Michael Engel, 32, da Universidade do Kansas, no Meio-Oeste americano.
Ao lado do colega David Grimaldi, do Museu Americano de História Natural, em Nova York, Engel é o responsável por desenterrar o Rhyniognatha hirsti dos arquivos de um museu londrino e transformá-lo no decano do mais numeroso e diversificado grupo de animais a habitar o planeta.
Façanha que, como Engel gosta de lembrar, aconteceu totalmente por acaso: "Eu e Dave estávamos preparando um livro sobre a evolução dos insetos e passamos a revisar os fósseis relevantes em vários lugares. Quando estávamos em Londres, acabamos decidindo dar uma olhada nesse fragmentozinho minúsculo, descoberto em 1928 por um paleontólogo australiano", conta Engel.

Artrópode genérico
Na época, Robin Tillyard, o tal paleontólogo, notou que o bicho tinha traços "sugestivos" de inseto. No entanto, como a microscopia da época não era exatamente das mais potentes, e não tinha sobrado muito da criatura (apenas fragmentos da cabeça e da mandíbula), Tillyard teve de classificar o animal apenas como artrópode (o grupo que também engloba crustáceos e aracnídeos). Até o nome do animal é genérico: Rhyniognatha quer dizer apenas "mandíbula de Rhynie" (sítio escocês onde ele foi encontrado).
Um microscópio do século 21, no entanto, faz maravilhas, e a dupla foi capaz de lançar um olhar completamente novo sobre o R. hirsti depois de pedi-lo emprestado ao Museu de História Natural de Londres. A característica que mais chama a atenção, afirma Engel, é a mandíbula em formato triangular, diferente da que hoje se encontra nos insetos vivos considerados mais primitivos, como as atuais traças de livros.
"Houve uma grande reorganização das mandíbulas dos insetos, que eram muito mais alongadas, para esse formato em triângulo, com duas juntas que prendem as mandíbulas à cápsula da cabeça", explica Engel. O bicho tinha até "dentes" -pequenas ranhuras e saliências cuja função é bastante parecida com os vários tipos de dente que aparecem nos mamíferos, por exemplo.

Alado sem asas
Todas essas características, além de outros detalhes do formato da cabeça e mandíbulas, apontam para um parentesco próximo do bicho com os metapterigotos, o grupo que inclui quase todos os insetos com asas de hoje, com exceção das efeméridas (que lembram vagamente libélulas e, como o nome sugere, vivem poucos dias). "Claro que adoraríamos encontrar as asas preservadas, mas esses detalhes já indicam fortemente que ele era alado", avalia Engel.
De qualquer maneira, as implicações desses detalhezinhos de anatomia são claras. O R. hirsti é pelo menos 20 milhões de anos mais velho que qualquer inseto encontrado antes, e mesmo esses espécimes mais novos são criaturas primitivas e sem asas. Isso significa, raciocina Engel, que a bola estava rolando na evolução dos insetos há muito mais tempo do que se imaginava.
A aposta do pesquisador é que eles tenham surgido no início do Siluriano, período geológico que começou há 443 milhões de anos. Isso faria deles alguns dos animais mais antigos a colonizarem a terra firme e ajudaria a explicar por que, até hoje, esses pioneiros mandam no planeta em termos de quantidade e diversidade de espécies -a despeito do que os seres humanos gostam de pensar.
"Alguns estudos genéticos recentes mostram evidências dessa colonização muito antiga, e eu estou totalmente de acordo com essas datas", diz Engel. "Mas, enquanto não acharmos fósseis ainda mais antigos, temos de suspender nossas apostas."

Pequeno notável
Por enquanto, todas as evidências sugerem que o R. hirsti não era muito diferente de uma libélula de hoje, esvoaçando entre as plantas primitivas do Devoniano (o período imediatamente posterior ao Siluriano, iniciado há 417 milhões de anos) com seus possíveis 5 mm de comprimento -uma estimativa ainda grosseira, admitem os pesquisadores.
Pode ser que o bicho tenha se alimentado dos esporos produzidos por esses vegetais terrestres, que chegavam a cerca de um metro de altura, mas a mandíbula triangular poderia ter sido igualmente utilizada para mastigar outros insetos ou artrópodes que já tivessem feito o salto para a terra firme nessa época.
De qualquer maneira, é possível que as plantas pioneiras tenham desempenhado um papel importante na própria origem do vôo, de acordo com Engel.


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