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PALEONTOLOGIA
Animal de 400 milhões de anos achado na Escócia foi "escavado" em museu e provavelmente já tinha asas
Análise de fóssil revela inseto mais antigo
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Graças a um golpe de sorte, dois
pesquisadores americanos descobriram que um fóssil abandonado
num museu por quase 80 anos é,
na verdade, o mais antigo inseto
do planeta. A criatura de 400 milhões de anos, de quebra, mostra
anatomia surpreendentemente
"moderna" e deve ter tido asas, o
que sugere uma origem ainda
mais antiga para o grupo.
"Nós meio que engasgamos
quando demos uma olhada nele
com o microscópio. Mas depois
percebi que aquilo não era só minha imaginação", brinca o paleoentomólogo (estudioso de insetos fósseis) Michael Engel, 32,
da Universidade do Kansas, no
Meio-Oeste americano.
Ao lado do colega David Grimaldi, do Museu Americano de
História Natural, em Nova York,
Engel é o responsável por desenterrar o Rhyniognatha hirsti dos
arquivos de um museu londrino e
transformá-lo no decano do mais
numeroso e diversificado grupo
de animais a habitar o planeta.
Façanha que, como Engel gosta
de lembrar, aconteceu totalmente
por acaso: "Eu e Dave estávamos
preparando um livro sobre a evolução dos insetos e passamos a revisar os fósseis relevantes em vários lugares. Quando estávamos
em Londres, acabamos decidindo
dar uma olhada nesse fragmentozinho minúsculo, descoberto em
1928 por um paleontólogo australiano", conta Engel.
Artrópode genérico
Na época, Robin Tillyard, o tal
paleontólogo, notou que o bicho
tinha traços "sugestivos" de inseto. No entanto, como a microscopia da época não era exatamente
das mais potentes, e não tinha sobrado muito da criatura (apenas
fragmentos da cabeça e da mandíbula), Tillyard teve de classificar o
animal apenas como artrópode (o
grupo que também engloba crustáceos e aracnídeos). Até o nome
do animal é genérico: Rhyniognatha quer dizer apenas "mandíbula de Rhynie" (sítio escocês onde
ele foi encontrado).
Um microscópio do século 21,
no entanto, faz maravilhas, e a
dupla foi capaz de lançar um
olhar completamente novo sobre
o R. hirsti depois de pedi-lo emprestado ao Museu de História
Natural de Londres. A característica que mais chama a atenção,
afirma Engel, é a mandíbula em
formato triangular, diferente da que hoje se
encontra nos insetos vivos considerados mais primitivos, como as
atuais traças de livros.
"Houve uma grande reorganização das mandíbulas dos insetos, que eram muito mais alongadas, para esse formato em triângulo, com duas juntas que prendem as mandíbulas à cápsula da
cabeça", explica Engel. O bicho tinha até "dentes" -pequenas ranhuras e saliências cuja função é
bastante parecida com os vários
tipos de dente que aparecem nos
mamíferos, por exemplo.
Alado sem asas
Todas essas características,
além de outros detalhes do formato da cabeça e mandíbulas,
apontam para um parentesco
próximo do bicho com os metapterigotos, o grupo que inclui quase todos os insetos com asas de
hoje, com exceção das efeméridas
(que lembram vagamente libélulas e, como o nome sugere, vivem
poucos dias). "Claro que adoraríamos encontrar as asas preservadas, mas esses detalhes já indicam fortemente que ele era alado", avalia Engel.
De qualquer maneira, as implicações desses detalhezinhos de
anatomia são claras. O R. hirsti é
pelo menos 20 milhões de anos
mais velho que qualquer inseto
encontrado antes, e mesmo esses
espécimes mais novos são criaturas primitivas e sem asas. Isso significa, raciocina Engel, que a bola
estava rolando na evolução dos
insetos há muito mais tempo do
que se imaginava.
A aposta do pesquisador é que
eles tenham surgido no início do
Siluriano, período geológico que
começou há 443 milhões de anos.
Isso faria deles alguns dos animais
mais antigos a colonizarem a terra
firme e ajudaria a explicar por
que, até hoje, esses pioneiros
mandam no planeta em termos
de quantidade e diversidade de
espécies -a despeito do que os
seres humanos gostam de pensar.
"Alguns estudos genéticos recentes mostram evidências dessa
colonização muito antiga, e eu estou totalmente de acordo com essas datas", diz Engel. "Mas, enquanto não acharmos fósseis ainda mais antigos, temos de suspender nossas apostas."
Pequeno notável
Por enquanto, todas as evidências sugerem que o R. hirsti não
era muito diferente de uma libélula de hoje, esvoaçando entre as
plantas primitivas do Devoniano
(o período imediatamente posterior ao Siluriano, iniciado há 417
milhões de anos) com seus possíveis 5 mm de comprimento
-uma estimativa ainda grosseira, admitem os pesquisadores.
Pode ser que o bicho tenha se
alimentado dos esporos produzidos por esses vegetais terrestres,
que chegavam a cerca de um metro de altura, mas a mandíbula
triangular poderia ter sido igualmente utilizada para mastigar outros insetos ou artrópodes que já
tivessem feito o salto para a terra
firme nessa época.
De qualquer maneira, é possível
que as plantas pioneiras tenham
desempenhado um papel importante na própria origem do vôo,
de acordo com Engel.
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