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Periscópio
A doença de Darwin
José Reis
especial para a Folha
A vida de Darwin, como se sabe, foi
um contínuo sofrimento, excluído
talvez o tempo que passou em sua excursão. Nenhum biólogo mereceu tantos escritos e livros quanto ele, alguns especificamente sobre sua doença. Sua vida decorreu normal até a partida do "Beagle",
embora pouco antes disso se tenha queixado de dores no estômago e no peito,
que ele atribuía a mal cardíaco. Por isso
não procurou médico, temeroso de que
o diagnóstico acabasse por frustrar seu
embarque e a viagem que tanto desejava
empreender. Durante o período que passou na expectativa da partida teve diversos acessos de ansiedade.
Quase esqueceu tudo isso durante a expedição. Cerca de dois anos após o desembarque, algumas semanas antes de
atingir os 30 anos, várias vezes se queixou de não estar passando bem do estômago. Onze meses após o casamento e
três dias antes do nascimento do primeiro filho, entrou em depressão, sem ânimo para trabalhar. Nessa época, teve diversos ataques de vômito. Vivia desanimado com a idéia de ter de passar assim
o resto da vida, como inválido. Isso na
verdade não ocorreu, como prova a obra
que deixou. Nem a mudança de ares lhe
melhorou a saúde. O anúncio da chegada de algum conhecido científico despertava crise de ansiedade, com tremores
violentos e acessos de vômito. Tornou-se
indiferente e incapaz de se afeiçoar profundamente a qualquer pessoa.
Esse quadro prevaleceu até os 60 anos,
melhorando seu estado de saúde até a
morte, aos 73. Consultou vários especialistas quando doente, porém nenhum
deles achou sinal de doença orgânica.
Não poucos autores tentaram, pela análise retrospectiva dos sintomas, explicar
a doença. Causou muita sensação, quando publicado, o diagnóstico do parasitologista israelense Saul Adler, apoiado por
Peter Medawar (Prêmio Nobel), de que
Darwin sofreu do mal de Chagas. Mas é
difícil aceitar essa hipótese, porque Darwin já manifestara sinais de doença antes
de deixar a Inglaterra. Para outros, Darwin não passava de um hipocondríaco
que "criava" suas aflições. Outros ainda,
de quem Medawar fazia pouco, tentavam explicar tudo pela psicanálise.
A mais recente biografia de Darwin
("Charles Darwin: a new Biography",
Hutchinson) foi de fato escrita por um
psiquiatra e psicanalista de grande renome, John Bowlby, que chegou a uma explicação complexa, que começa com a
prematura perda da mãe aos 5 anos, fato
que Darwin nunca lamentou, e as más
relações que ele tinha com o pai na infância e juventude. Tudo isso o tornava
muito sensível à doença e à morte dos
membros da família, assim como às críticas dos colegas mais idosos às relações
com o pai. Bowlby insiste nos distúrbios
que a orfandade acarreta.
Ao tentar explicar os sintomas isolados
de Darwin, o biógrafo se apega às especulações de Douglas Hubble e George
Pickering, e com eles engloba aqueles
sintomas tão variados numa síndrome
que chama de hiperventilação.
A excitação de vários tipos, inclusive a
ansiedade, pode acelerar e aprofundar a
respiração, o que causa excesso de perda
de dióxido de carbono. Isso provoca alcalinização do sangue (alcalose respiratória) que acarreta tensão, desmaio, tontura, palpitações, perturbações visuais,
dores no peito etc., sintomas de que Darwin se queixava. Os sintomas, especialmente os de origem mental, são acompanhados de preocupações e pensamentos
sombrios, que pioram a ansiedade e aceleram a respiração, recomeçando o ciclo.
Comentando em "New Scientist" o
diagnóstico de Bowlby, um outro psiquiatra, Morton Schatzman, acha que ele
está correto, porém não sabe como enquadrar na síndrome os acessos de vômito. A biografia escrita por Bowlby, em
livro de mais de 500 páginas e muito bem
documentada, difere de muitos outros
ensaios do mesmo gênero sobre Darwin
por se ocupar menos de sua aventura como naturalista do que com sua vida pessoal e em particular com a doença que o
permeou e atormentou por tanto tempo.
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