São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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Ciência em Dia

Mary-Claire King

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

A geneticista americana Mary-Claire King não ganhou ainda uma página na Wikipédia, mas deveria. Ela completa 60 anos em 2006 e tem um currículo invejável para uma mulher dedicada à pesquisa. Mas não é porque tantas mulheres foram homenageadas esta semana que ela aparece aqui hoje.


Seria mais do que justo prestar tributo à descobri dora do gene BRCA1


Seria mais do que justo, no período em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, prestar tributo à descobridora do gene BRCA1, façanha realizada em 1990. Foi o primeiro gene humano localizado que tinha relação direta com uma forma hereditária de câncer de mama (a sigla vem de "breast cancer"), ainda que não de todos os tipos desses tumores campeões em mortalidade feminina.
São glórias do passado, mas King permanece como notícia. Nesta semana, por exemplo, esta coluna topou com seu nome duas vezes. Nos dois casos estavam em questão pesquisas relevantes para a saúde humana que só se tornaram possíveis graças aos resultados do Projeto Genoma Humano e seus filhotes, como o seqüenciamento do genoma do chimpanzé.
A primeira pesquisa teve a própria cientista como co-autora. Saiu em 26 de janeiro no periódico científico eletrônico "BMC Genomics" (www.biomedcentral.com/1471-2164/7/15). King é a única não-espanhola no grupo de seis autores liderados por Xosé Puente, da Universidade de Oviedo.
O grupo comparou 333 genes humanos sabidamente envolvidos em vários tipos de câncer com suas variantes -os geneticistas falam em genes "ortólogos"- em nossos parentes mais próximos, os chimpanzés (Pan troglodytes). Como era de esperar, encontraram pouca diferença nas seqüências desses genes entre as duas espécies. Foi de 99,38% o grau de identidade verificado, da mesma ordem que no genoma completo.
Como explicar, então, que a incidência de tumores em chimpanzés seja apenas um décimo da presente em humanos? A equipe espanhola e King verificaram que a pouca divergência encontrada nas seqüências diferencia alguns genes muito importantes para impedir que um organismo desenvolva tumores. Entre eles, o famoso p53 e o... BRCA1. King na cabeça.
A outra pesquisa em que desponta o nome de King saiu quinta-feira no periódico britânico "Nature". Seu primeiro autor é o israelense Yoav Gilad, da Universidade de Chicago. Ele e seus colegas compararam o que acontece com um grupo de 907 genes no fígado de quatro tipos de primata: humanos, chimpanzés, orangotangos e macacos resos.
Para encurtar a história: confirmaram que as diferenças entre esses primatas, a começar pelo par mais semelhante homem-chimpanzé, não estão nos genes ditos estruturais, que especificam a identidade de proteínas do corpo -eles são em geral idênticos. Elas decorrem, em realidade, de um fino sistema regulador, uns poucos genes e proteínas que modulam quais genes serão ligados ou desligados, a cada momento, e com que intensidade.
É uma confirmação robusta de uma hipótese levantada em 1975, num célebre artigo de Allan Wilson e... Mary-Claire King.

Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor dos livros paradidáticos"Amazônia, Terra com Futuro" e "Meio Ambiente e Sociedade" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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