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São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2003

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AMBIENTE

Aquecimento global ameaça provocar perdas de até US$ 2 bilhões anuais na América Latina e na África em 2055

Efeito estufa pode devastar milho tropical

Marlene Bergamo - 28.ago.02/Folha Imagem
Família posa para foto em plantação de milho devastada por seca, em Paulistana, interior do Piauí


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O aquecimento global poderá provocar uma quebra de 10% na safra de milho na América Latina e na África em 2055, provocando perdas de US$ 2 bilhões por ano e prejudicando milhões de agricultores pobres que dependem desse cereal para subsistência. A conclusão é de um estudo pioneiro divulgado hoje por de pesquisadores da Colômbia e do Quênia.
Muito tem se especulado sobre os potenciais impactos do efeito estufa (o aprisionamento do calor na atmosfera da Terra por uma capa de gases) sobre as populações vulneráveis dos trópicos. Mas, até agora, ninguém havia feito projeções específicas que medissem o tamanho da vulnerabilidade dessas populações.
"As pessoas têm trabalhado com modelos muito gerais, que diziam que a situação não será tão ruim. Mas o diabo está nos detalhes", diz o agrônomo britânico Peter Jones, do Ciat (Centro Internacional para Agricultura Tropical), em Cali, Colômbia.
Juntamente com o economista Philip Thornton, do Instituto Internacional para Pesquisa de Gado, em Nairóbi, Quênia, Jones aplicou um modelo climático desenvolvido no Reino Unido às lavouras de milho cultivadas em diferentes condições de altitude, latitude e umidade no continente africano e na América Latina.
O resultado do estudo, publicado na última edição da revista "Global Environmental Change", é uma má notícia para cerca de 170 milhões de pequenos agricultores que dependem do milho como fonte protéica e para alimentar o gado nos dois continentes: com um aumento global de temperatura de 1,5C e as mudanças decorrentes no regime de chuvas (certas áreas vão ficar mais secas, outras mais úmidas), a tendência é de uma quebra na safra de milho principalmente nas terras baixas e pouco chuvosas.
"A queda se deve principalmente à temperatura mais alta", disse Jones à Folha. "Apesar de o milho ser tolerante a variações, com temperaturas mais altas a planta transpira mais e passa a usar a umidade de maneira menos eficiente", afirmou.
Entre as regiões que mais irão sofrer estão o Nordeste brasileiro, a costa leste da África e as terras baixas do México, onde nasceu o milho e onde estão as variedades selvagens da planta.
O resultado global de 10% de perda -equivalente, segundo a ONG Future Harvests, a 10 milhões de toneladas- esconde várias distorções locais. Em algumas áreas, por exemplo, a produção deve aumentar em até 100%. É o caso da zona montanhosa ao redor de Adis Abeba, na Etiópia e de boa parte dos Andes. Regiões como o sul da Argentina e do Chile, onde é muito frio para plantar milho, deverão ter aumento de safra em 2055. "Os grandes produtores do sul do Brasil vão se beneficiar", diz o agrônomo britânico, radicado na Colômbia há 25 anos.
O grande problema está nas latitudes mais baixas. Nas regiões subtropicais, explica Jones, as plantações podem simplesmente se deslocar rumo a zonas que antes eram impróprias para o plantio -é por isso que os agricultores do Canadá e da Rússia, por exemplo, estão rindo à toa com as projeções de aquecimento.
"Nos trópicos, você não tem como se mexer", diz Jones. "O que nos pegou nesse estudo foi que, em algumas regiões, as pessoas vão perder tudo." Por "perder tudo" entenda-se uma produtividade menor que 200 quilos por hectare. O número de anos em que isso pode acontecer aumenta em várias regiões tropicais. "O número global esconde isso", afirma.
Para piorar a situação, a produção agrícola nesse período deveria crescer pelo menos 40%, segundo a FAO (Fundação das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), em relação aos valores de hoje. E lavouras como o feijão, que também está na base da dieta nas regiões estudadas, deverão ter queda de produção.
Jones diz que aposta na tecnologia agrícola, como o desenvolvimento de variedades mais resistentes, para resolver parte do problema. Mas, para que pequenos plantadores tenham acesso à tecnologia, governos terão de ajudar.

Margem de erro
Para o climatologista Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o trabalho de Jones e Thornton tem o mérito de ter desenvolvido um modelo para tratar da questão da vulnerabilidade da produção agrícola de baixa tecnologia.
"Agora, essa metodologia pode ser aplicada a vários cenários de mudança climática", diz.
No entanto, para Nobre, a confiabilidade os resultados é prejudicada pelo fato de a dupla ter usado só um modelo climático em sua projeção -existem vários para a prever o aquecimento global. "A diferença obtida, de apenas 10%, está totalmente dentro da margem de erro", diz Nobre.



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