|
Texto Anterior | Índice
"A ciência não é um deus que sabe tudo", diz líder ianomâmi
Davi Kopenawa diz estar contente com notícia de
que sangue de seu povo será devolvido pelos EUA
DA REDAÇÃO
O líder ianomâmi Davi Kopenawa disse estar "muito contente" com a notícia de que as
mais de 2.000 amostras de sangue de seu povo, que desde 1967
repousam em centros de pesquisa dos Estados Unidos, serão devolvidas à tribo.
Conforme a Folha adiantou
no último domingo, há um
acordo sendo finalizado entre
cinco universidades e o governo brasileiro para a devolução,
que ainda não tem data.
Da Alemanha, onde está para
assistir a uma ópera que tem
seu povo como protagonista, o
líder indígena respondeu por e-mail, por intermédio do antropólogo Bruce Albert, a perguntas feitas pela reportagem.
(CA)
FOLHA - Como o sr. recebeu a notícia de que as universidades aceitaram devolver o sangue?
DAVI KOPENAWA YANOMAMI - Foi
uma luta de dez anos. Agora, fiquei muito contente que os
brancos acabaram entendendo
a importância desse retorno.
FOLHA - O sangue foi coletado nos
anos 1960, mas só nesta última década os ianomâmis começaram a se
esforçar para tê-lo de volta. Por quê?
KOPENAWA - O sangue foi tirado
do nosso povo quando eu era
menino. Os cientistas não explicaram nada direito. Só deram presentes, panelas, facas,
anzóis e falaram que era para
coisa de saúde. Depois todo
mundo esqueceu. Ninguém
pensou que o sangue seria
guardado nas geladeiras deles,
como se fosse comida! Só em
2000 que eu soube que esse
sangue estava ainda guardado e
sendo usado para pesquisa. Aí
me lembrei da minha infância,
e os velhos também se lembraram de que nosso sangue foi tirado. Todo mundo ficou muito
triste de saber que esse sangue
nosso e de nossos parentes
mortos ainda estava guardado.
FOLHA - Napoleon Chagnon e James Neel agiram errado com vocês?
KOPENAWA - Eu acho que estavam muito errados, porque
eles pensaram que os ianomâmis podem ser tratados como
crianças e não têm pensamento próprio. Não dá para fazer
pesquisa com povos indígenas
sem explicação. Pesquisa que
interessa à gente é para melhorar nossa saúde. Não dá para
pesquisar e deixar a gente depois morrer de doenças. Um
tempo depois que esses cientistas foram embora, em 1967,
morreu quase todo o meu povo
do Toototobi de sarampo.
FOLHA - Por que o sangue será jogado no rio quando ele voltar?
KOPENAWA - Vamos entregar
esse sangue do povo ianomâmi
ao rio porque o nosso criador,
Omama, pescou sua mulher,
nossa mãe, no rio no primeiro
tempo. Mas não gosto da palavra "jogar", não vamos jogar o
sangue dos nossos antigos; vamos devolver para as águas.
FOLHA - Os cientistas dizem que,
sem poderem estudar o sangue e o
DNA de vocês, informações que podem ser preciosas para toda a humanidade se perderão para sempre.
Como o sr. reage a essa crítica?
KOPENAWA - A ciência não é um
deus que sabe tudo para todos
os povos. Se querem pesquisar
o sangue do povo deles, eles podem. Quem decide se pesquisas
são boas para nosso povo somos nós, ianomâmis.
Texto Anterior: País terá fábrica de roedor transgênico Índice
|