São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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PALEONTOLOGIA

Queda em nível de gás carbônico há 340 milhões de anos causou triunfo evolutivo desses órgãos, diz estudo

Mudança climática deu folhas às plantas

MARCUS VINICIUS MARINHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

As folhas foram para a evolução no reino vegetal como os primeiros motores para as embarcações: elas permitiram às plantas se multiplicar e conquistar o planeta. No entanto, seu desenvolvimento esteve por mais de 20 anos envolto em um mistério -agora resolvido por um estudo britânico.
O grande paradoxo para a ciência era que as folhas, embora trouxessem vantagens óbvias para a adaptação das plantas e já existissem há 380 milhões de anos, demoraram muito tempo -outros 20 milhões de anos- para crescer e se espalhar pelas espécies vegetais. E só o fizeram, agora se sabe, quando os níveis de gás carbônico (CO2), então abundante na atmosfera, sofreram uma redução.
A pesquisa, realizada por um grupo das universidades de Sheffield e de Londres, na Inglaterra, estudou 300 fósseis de plantas da era Paleozóica (de 540 milhões de anos a 250 milhões de anos atrás). "As folhas são grandes conquistas evolutivas. Elas aumentaram a área das plantas e, assim, sua exposição ao sol e o funcionamento da fotossíntese. Também otimizaram as trocas gasosas e de temperatura", disse à Folha Colin Osborne, 33, pesquisador da Universidade de Sheffield que liderou o estudo. "Mas demoraram a aparecer não por barreiras genéticas ou de desenvolvimento, mas sim porque as condições ambientais não eram as melhores."

Investimento arriscado
Segundo o pesquisador, a abundância de gás carbônico impedia o crescimento e a disseminação das folhas por dois motivos: por um lado, o efeito estufa causado pelo gás fazia das folhas um investimento evolutivo de risco. Com o calor, a maior superfície das folhas sujeitaria as plantas a um superaquecimento potencialmente letal. Por outro, com muito gás para consumir, as plantas não precisavam de numerosos poros para absorvê-lo e, assim, as folhas existentes eram pequenas.
"Se você olhar as poucas folhas que havia antes desse declínio do gás carbônico, verá que elas tinham poucos estômatos [pequenas aberturas nas folhas responsáveis pelas trocas gasosas] e eram pequenas", diz Osborne.
O vapor d'água também escapa das plantas pelos estômatos, produzindo uma queda de temperatura às vezes necessária. O pequeno número de poros acabou limitando o processo de resfriamento das plantas paleozóicas de antes do declínio do CO2.
O evento só aconteceu mais de 50 milhões de anos depois do surgimento das plantas vasculares -aquelas com corpo diferenciado e vasos de condução de seiva. Coincidentemente ou não, foi o aparecimento dessas plantas a causa do declínio posterior dos níveis de CO2.
"As raízes das plantas aceleraram a erosão das rochas, o que fez o gás carbônico cair em escala geológica, já que possibilitou a fixação de parte do gás e o surgimento de novos tipos de matéria orgânica", afirma Osborne. "Então, as plantas foram tanto causa como conseqüência nessa história", continua.
A teoria da relação entre a queda no CO2 e a disseminação e crescimento das folhas havia surgido a partir de um modelo desenvolvido em computador. Para testá-la, os cientistas britânicos examinaram os 300 fósseis, pertencentes a uma ampla variedade de espécies. Segundo o estudo, publicado no periódico científico americano PNAS (www.pnas.org), a área das folhas aumentou em média 25 vezes no período de 380 milhões a 340 milhões de anos atrás -a época em que caiu o nível de CO2 no planeta.
Em duas das espécies estudadas, do gênero Archaeopteris, os pesquisadores foram além, e viram que o aumento repentino (do ponto de vista geológico, é claro) no tamanho das folhas coincidiu com uma elevação de oito vezes no número de estômatos.
"Acreditamos que a amostra de espécies estudadas era representativa, pois inclui todas as espécies que conseguimos achar e fósseis das maiores coleções de museus europeus. Claro, nosso trabalho é limitado pelo número de plantas que se fossilizaram", diz.
Embora os fósseis tenham sido, em sua maioria, retirados de lugares nos quais a exploração de carvão mineral foi acentuada, em sítios no Reino Unido, na Bélgica, na Alemanha e nos EUA -há 400 milhões de anos, todos esses países estavam mais ou menos na linha do Equador-, Osborne diz que os mais importantes vieram da América do Sul.
"Os fósseis sul-americanos foram cruciais para nós, já que esse continente estava em uma latitude maior naquela época e, portanto, era mais frio e com energia solar menos intensa. Assim, as folhas grandes devem ter surgido lá primeiro", diz o pesquisador, que estudou fósseis da Venezuela, da Colômbia e da Argentina. Segundo ele, não havia nenhum espécime brasileiro.


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