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DNA revela história da mata atlântica
Diversidade genética de rã mostra que variedade biológica do bioma surgiu de refúgios onde espécies se diversificavam
Áreas permanentes de floresta, sem secas, ondas
de frio nem invasão do mar moldaram biodiversidade local em 12 milhões de anos
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma nova teoria baseada na
genética oferece uma explicação para a origem da grande variedade de vida da mata atlântica. Os grupos animais desse
ecossistema teriam se diversificado a partir de "refúgios" localizados por todo o litoral do sudeste do Brasil, processo que
ocorreu ao longo dos últimos 12
milhões de anos, pelo menos.
A hipótese foi elaborada pelo
grupo de Cinthia Brasileiro,
ecóloga da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Já
se sabia que o sul da Bahia atuava como um desses núcleos que
funcionavam como "fábricas de
espécies", mas o trabalho da
cientista mostra que havia vários deles. E o surgimento dos
cinco grandes agrupamentos
de refúgios não ocorreu em
sentido único, do norte para o
sul, por exemplo.
"Não significa que eram cinco grandes refúgios. Cada uma
das regiões tinha várias dessas
áreas", disse Brasileiro à Folha,
comentando estudo que publicou na revista "Molecular Ecology". "Elas [as áreas] existiram
mais ou menos da mesma forma por milhões de anos."
O segredo dos refúgios é que
eles estão sempre florestadas,
não sofrem secas, épocas de
frio ou oscilação do nível do
mar. Por isso, dentro deles, a
diversidade da vida tende sempre a aumentar. Um dos motivos, por exemplo, é o grande
número de nichos ecológicos
disponíveis para colonizar.
Para um anfíbio que tem
uma população vivendo em
bromélias, por exemplo, o universo dele está restrito apenas
a um determinado bromelial.
Mas outra população pode colonizar um único riacho, e assim sucessivamente. O surgimento de novas espécies da
fauna e da flora -além da diferenciação das várias populações de uma mesma espécie-
pode ocorrer a partir disso.
Para que os dois processos se
desenrolem, porém, é preciso
que o clima seja favorável por
milhões de anos provavelmente, ou que o nível do mar desça
(no período estudado ele oscilou por volta de 200 metros).
Com isso, a floresta aumenta
de tamanho e os bichos passam
a ter uma área maior para prospectar novos habitats.
A biodiversidade ampliada,
na sequência, passará a ocupar
novas regiões geográficas.
Na prática, o surgimento do
centro de biodiversidade no sul
de São Paulo, entre São Sebastião e Cananeia, ilustra a tese
defendida por Brasileiro.
"A diversidade, nessa área,
começou há 1 milhão de anos,
aproximadamente. Essa área é
mais antiga do que a identificada no norte de São Paulo, mas
mais nova do que as áreas estudadas no Rio de Janeiro e no
Espírito Santo ", diz a cientista
da Unifesp (veja quadro à esq.).
Portanto, o que o grupo de
pesquisa defende é que houve
uma origem diferente entre as
duas áreas e não um processo
que começou no norte da região ocupada pela mata atlântica e veio em direção ao sul.
Biografadas pelo DNA
A ferramenta genética usada
por Brasileiro foi o estudo do
DNA de duas espécies de rãs
-amostras de 137 indivíduos,
no total. As amostras foram
comparadas, e as diferenças entre elas revelam a biografia dos
dois grupos de anfíbios.
"Esse é apenas um estudo de
filogeografia [o mapeamento
das diversidades genéticas de
uma espécie ao longo do tempo] que corrobora a ideia dos
refúgios para toda a mata atlântica", diz Brasileiro. Há outros
estudos em andamento procurando confirmar a hipótese, alguns deles com dados coletados
nas ilhas do litoral paulista.
Na área da atual Jureia, a mata ficou separada do resto do
continente até 5.000 anos
atrás, aproximadamente. "A diversidade nessa área é ainda
mais recente do que nas outras
regiões estudadas, com 200 mil
anos." Isso indica, segundo
Brasileiro, que a separação pelo
mar acabou criando, neste caso, mais um refúgio.
Processo mais ou menos parecido pode estar em curso hoje
em ilhas paulistas como Queimada Grande ou Alcatrazes.
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