São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007 |
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Cicatrizes humanas Lado B do livro "O mundo sem nós" escancara divórcio fatal entre os humanos e o planeta
EDUARDO GERAQUE DA REPORTAGEM LOCAL Apesar de ter, talvez, um título errado e algumas páginas arrastadas demais, o livro "O Mundo Sem Nós", do professor-jornalista americano Allan Weisman, que acaba de chegar ao mercado brasileiro pela Editora Planeta, tem pelo menos um ponto bastante relevante. Na verdade, o leitor que resolver atravessar as 382 páginas da obra deveria fazer isso com a atenção redobrada em um outro livro que também está ali, diante dos seus olhos, mas que não foi o objetivo principal do escritor americano. Como sem presente não existe futuro, antes de pensar no legado humano quando, por ventura, o Homo sapiens desaparecer de vez, é preciso antes de mais nada refletir no mundo com esses seres vivos sobre ele. "O mundo conosco" poderia ser o título desse lado B da obra do jornalista americano, que também tem uma visão bem americana de mundo. Em um capítulo sobre evolução humana, por exemplo, teorias acalentadas por cientistas brasileiros -para quem a ocupação das Américas foi bem mais antiga do que se imagina- foram solenemente ignoradas. E, nesse caminho oculto do livro, os exemplos que aparecem são espetaculares e trágicos, apesar de Weisman -que além de viajar pelo mundo atrás de boas histórias também leciona na Universidade do Arizona- tentar dar um final menos apocalíptico a sua obra. No livro -que não é de ficção científica mas sim de não-ficção, baseado em um extenso conjunto de fontes de vários segmentos- o jornalista descreve, por exemplo, como seriam os dias seguintes de Nova York (Estados Unidos) sem os seus moradores. O início do fim da cidade não demoraria quase nada, segundo o autor. Em 48 horas, os túneis do metrô já estariam totalmente inundados. Isso só não ocorre normalmente hoje porque funcionários e bombas d'água estão sempre trabalhando. (Excepcionalmente, as chuvas desta última semana conseguiram vencer os esforços humanos.) Os charmosos edifícios que formam hoje o "skyline" de Manhattan, estariam quase todos em ruínas em quatro anos por causa do ciclo congelamento-descongelamento. A queda de um deles teria o mesmo efeito que uma árvore caindo na floresta. Clareiras seriam abertas na selva de pedra. Em 500 anos, a floresta estaria de volta. É mesmo! As grandes cidades, como também é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e tantas outras no Brasil e no mundo, não estiveram onde estão desde o início. Plásticos invisíveis No mar, um outro rastro humano impensável para a maioria dos terráqueos foi descoberto por um grupo de pesquisadores ingleses, da Universidade de Plymouth. Há algum tempo eles estavam tentando saber o que era pequenos grânulos estranhos que apareciam sob os seus microscópios. A história, segundo o escritor americano, começou mais ou menos assim: O pesquisador Mark Browne, certo dia, resolveu abrir o armário de uma laboratório onde mulheres guardavam seus produtos de beleza. Estavam lá cremes e detergentes para as mãos. Todos eram considerados esfoliantes, mas nem todos eram 100% naturais. Isso que significa dizer, segundo Browne, que enquanto alguns fabricantes usavam sementes de uva ou sal marinho para esfoliar a pele, outros partiram para o plástico. "Grânulos microfinos de polietileno" disse o pesquisador. Isso mesmo, Browne descobriu o que eram aqueles elementos estranhos. O ciclo se fechou. Esses produtos, portanto, contém plásticos que vão diretamente para o ralo, para a rede de esgotos, para os rios e os oceanos. E, claro, são engolidos pelos seres marinhos. O cientista, preocupado com o presente mas olhando para o futuro, chega a se arrepiar. Para ele, não existe dúvida. Mesmo que a produção de plásticos acabasse hoje, a cadeia marinha vai precisar "lidar" com esses grânulos de plásticos por milhares de anos. Ao passear por terras e mares, Weisman acaba compondo um conjunto quase cansativo de exemplos que provam que a espécie humana já alterou o curso da Terra. Talvez, grande parte dos leitores do livro, nem achem isso necessariamente ruim. Afinal, a vida (e o consumo "moderno") deve seguir. O mais interessante, talvez, para aqueles que sabem que a espécie humana é que vive sobre o planeta e não o contrário, é perceber que depois de tudo acabar, mesmo com uma série de cicatrizes, o planeta e o universo vão conseguir seguir em frente sem muitos problemas. E apenas algumas estátuas de bronze, além do lixo atômico, por exemplo, ficarão para ser descobertas em um futuro muito, mas muito, distante. LIVRO - "O Mundo Sem Nós" Alan Weisman; ed. Planeta, 382 págs., R$ 44,90 Texto Anterior: + Marcelo Gleiser: Faísca Vital Próximo Texto: + Marcelo Leite: O IPCC não é mais aquele Índice |
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