São Paulo, sábado, 12 de setembro de 2009

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Governo britânico pede perdão a matemático gay

Pai da ciência da computação se matou após condenação por homossexualismo

Reconhecimento inédito do premiê Gordon Brown foi motivado por petição na internet que reuniu 31,3 mil assinaturas em um mês

Loz Pycock/Creative Commons
Estátua de Alan Turing no museu de Bletchley Park, Inglaterra

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

O governo britânico pediu ontem desculpas pelo tratamento "chocante" ao qual o matemático Alan Turing, um dos cientistas mais reverenciados do país, foi submetido para coibir sua homossexualidade, e que o levou ao suicídio em 1954.
Surpreendente, o pedido resulta de uma petição on-line que, em pouco mais de um mês, atraiu 31,3 mil assinaturas e desenterrou na mídia a história do pai da inteligência artificial.
"Turing foi um matemático brilhante, famoso por decifrar os códigos da [máquina de criptografia] alemã Enigma. Não é exagero dizer que, sem sua notável contribuição, a história da Segunda Guerra poderia muito bem ter sido outra", diz o premiê Gordon Brown em comunicado no site do governo.
"A dívida de gratidão que temos torna mais horrível ainda a forma como ele foi tratado." Inédito para um governo britânico, Brown admite que o tratamento com hormônios a que Turing foi submetido por dois anos motivou seu suicídio.
Ser gay era crime então, e a prisão era a alternativa às injeções que lhe deformaram o corpo e o deprimiram -antes, o matemático já tinha perdido a autorização para atuar em projetos secretos porque gays eram um "risco à segurança", por serem alvo de chantagem. Como seu trabalho era sigiloso, ele nunca foi considerado herói de guerra em vida como é hoje.
"Embora não possamos voltar o relógio, o tratamento foi profundamente injusto, e estou satisfeito com a chance de dizer o quão profundamente lamento, e todos lamentamos, o que lhe aconteceu", diz o premiê, que avança em uma reparação coletiva: "Alan e milhares de outros condenados sob a lei homofóbica da época foram tratados de modo terrível. Milhões viveram com medo".

Autor surpreso
A retratação vem dez dias depois das celebrações dos 70 anos da Segunda Guerra -o código decifrado por Turing possibilitou aos britânicos interceptar mensagens e atacar os submarinos de Hitler, revertendo a vantagem nazista.
Mas surpreendeu o autor da petição, o programador britânico John Graham-Cumming, que se assustou com um telefonema do premiê na véspera. Quando iniciou o abaixo-assinado no site do governo, ele só queria chamar a atenção para o assunto e a falta de financiamento ao museu feito na casa onde Turing trabalhou.
A Folha trocou e-mails com Graham-Cumming durante sua empreitada. "Acho que a petição capturou o imaginário porque o público percebeu que perdeu um grande homem para o preconceito, e era hora de consertar o erro", escreveu à repórter há uma semana, dizendo-se "apenas sortudo" por seu pedido receber atenção.
Ontem, disse estar sem palavras. "Fiquei muito surpreso em receber essas desculpas tão rápido e tão enfaticamente, e mais surpreso ainda quando o próprio Gordon Brown me ligou no celular", comentou. O prazo da petição era janeiro de 2010. "Acho que o próprio premiê ficou chocado ao descobrir a história de Alan Turing."


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