São Paulo, sábado, 12 de setembro de 2009

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ENTREVISTA

LUÍS MANUEL FERNANDES

Verba privada para inovação precisa aumentar 5 vezes

Presidente da Finep diz que apoio público para pesquisa tecnológica está no nível dos países ricos, mas empresa não investe

NO FINAL do mês passado, quando falou a representantes de empresários e trabalhadores do país, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o presidente Lula se queixou da inércia do empresariado quando o assunto é investir em inovação tecnológica.
Lembrou que, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia, fez um PAC de R$ 41 bilhões para esse tipo de investimento, mas que o dinheiro está parado.

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mais diplomático, Luís Manuel Rabelo Fernandes, 50, presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) faz a mesma provocação. Em entrevista à Folha, o chefe da maior agência de fomento à inovação do país disse que o investimento privado em pesquisa e desenvolvimento precisa aumentar cinco vezes, mas o aporte estatal já está no nível dos países desenvolvidos.

 

FOLHA - Como está o Brasil em inovação tecnológica?
LUÍS MANUEL FERNANDES
- Nossa posição é intermediária. Em ciência e tecnologia, temos o sistema mais consolidado da América Latina e um dos mais avançados do mundo. Mas ainda há pouca transmissão dessa capacidade de pesquisa para a atividade de inovação nas indústrias. Isso se traduz naqueles indicadores muito conhecidos: o Brasil tem 2,2% da produção científica mundial -o equivalente à participação do Brasil no PIB do mundo. Mas, quando se trata de depósito de patentes, isso cai para 0,2%. O Brasil investe em pesquisa, desenvolvimento e inovação na faixa de 1,1% do seu PIB. Está no mesmo padrão de China, Índia e Rússia, mas está bem atrás dos países mais avançados, que tendem a investir de 2,5% a 4%.

FOLHA - Como corrigir isso?
FERNANDES
- Haveria uma forma de enfrentar esse descompasso, que é abrir uma linha de financiamento para as empresas brasileiras serem mais audaciosas no registro de patentes internacionais. Mas há uma leitura mais profunda, que é sobre o grau efetivo de envolvimento das empresas nacionais em relação à inovação. O levantamento do IBGE identifica mais de 30 mil empresas inovadoras, mas, se você decompõe o que chamam de inovação, consideram até compra de maquinaria para dentro da empresa. Não é uma inovação de desenvolvimento de processo e produto novo para o mercado.

FOLHA - Vai ser cumprida a meta de chegar a 1,5% do PIB em investimentos em inovação até 2010?
FERNANDES
- Se não chegarmos lá, estaremos bem perto. Se você decompuser esse 1,1%, vai ver que 0,7% é estatal e 0,4% empresarial. Com esse percentual, nosso investimento público já está nos padrões dos países desenvolvidos. A diferença é que, nesses países, esse investimento público alavanca duas ou três vezes mais de recursos privados -o que não ocorre no Brasil. No setor privado, as empresas precisam investir cinco vezes mais do que o Estado.

FOLHA - Em 2007, apenas 320 empresas usaram os incentivos legais previstos pela lei de inovação. Por que a lei não pegou?
FERNANDES
- Esses números são específicos para a "Lei do Bem", de 2005, posterior à de inovação, de 2004. Não temos os números para 2008, mas acredito que vão registrar um crescimento expressivo de empresas que buscaram as isenções fiscais facultadas pela lei.

FOLHA - Ainda há a mentalidade do setor universitário de se manter longe do mercado?
FERNANDES
- Sim, mas houve progressos significativos na última década. Nos anos 1990, havia uma mentalidade de que a universidade servia para produzir conhecimento público e que qualquer tentativa de auferir vantagem particular do conhecimento gerado era uma relação promíscua com o mercado. Houve avanços, embora haja o discurso de que a universidade não pode se pautar pela necessidade do mercado. É um contraponto importante.

FOLHA - A Coreia do Sul chegou à inovação e o Brasil não.
FERNANDES
- Primeiro, há mais uma questão de contexto histórico: eles não enfrentaram a crise da dívida, pela qual passamos nos anos 1980. Nossos empresários usam o exemplo da Coreia do Sul. Mas se esquecem que lá os "chaebols" [grupos econômicos] foram escolhidos pelo Estado e tiveram sua "missão" determinada. Houve um grau acentuado de dirigismo estatal na montagem desse processo. Tiveram sucesso muito maior do que hoje seria aceitável pela OMC [Organização Mundial do Comércio].

FOLHA - O governo brasileiro pretende dar preferência para suas compras aos produtos desenvolvidos no país por empresas que fizeram pesquisa aqui. Como evitar uma reserva de mercado como a dos computadores nos anos 1980?
FERNANDES
- Todos os países centrais usam o poder de compra para alavancar a inovação. O dilema que enfrentamos é: pela legislação brasileira não se pode distinguir empresa brasileira de empresa de capital nacional [que pode ter capital estrangeiro]. Se estiver instalada no Brasil, a companhia terá acesso a todos os instrumentos de apoio que nós desenvolvemos. Na subvenção, qualquer empresa que apresente projetos deverá ter seu principal centro de pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Isso é para evitar que nosso financiamento possa alavancar mera compra de tecnologia por uma empresa instalada no país, adquirida lá fora, e apenas maquiada aqui.
Uma segunda questão que queremos enfrentar é a compra de empresas aqui, por grupos estrangeiros, nas quais investimos em desenvolvimento tecnológico, compra essa feita não para dar continuidade ao desenvolvimento que ela já vem fazendo no país, mas somente para bloquear o potencial nascimento de uma concorrente no mercado mundial. Daí a necessidade, que está na lei: se houver essa aquisição, com interrupção do projeto de inovação, os recursos públicos investidos devem ser devolvidos.
A discussão sobre como conduzir as compras governamentais foi o que menos avançou. Conceber comprar desenvolvimento tecnológico como parte de compras governamentais, que teriam um tratamento diferenciado, como a proposta em teste na área da saúde.


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