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ENTREVISTA
LUÍS MANUEL FERNANDES
Verba privada para inovação precisa aumentar 5 vezes
Presidente da Finep diz que apoio público para pesquisa tecnológica está no nível dos países ricos, mas empresa não investe
NO FINAL do mês passado, quando falou a representantes de empresários e trabalhadores do país, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o presidente Lula se queixou da inércia do empresariado
quando o assunto é investir em inovação tecnológica.
Lembrou que, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia, fez um PAC de R$ 41 bilhões para esse tipo de investimento, mas que o dinheiro está parado.
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Mais diplomático, Luís Manuel Rabelo Fernandes, 50,
presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) faz
a mesma provocação. Em entrevista à Folha, o chefe da
maior agência de fomento à
inovação do país disse que o investimento privado em pesquisa e desenvolvimento precisa
aumentar cinco vezes, mas o
aporte estatal já está no nível
dos países desenvolvidos.
FOLHA - Como está o Brasil em inovação tecnológica?
LUÍS MANUEL FERNANDES - Nossa
posição é intermediária. Em
ciência e tecnologia, temos o
sistema mais consolidado da
América Latina e um dos mais
avançados do mundo. Mas ainda há pouca transmissão dessa
capacidade de pesquisa para a
atividade de inovação nas indústrias. Isso se traduz naqueles indicadores muito conhecidos: o Brasil tem 2,2% da produção científica mundial -o
equivalente à participação do
Brasil no PIB do mundo. Mas,
quando se trata de depósito de
patentes, isso cai para 0,2%. O
Brasil investe em pesquisa, desenvolvimento e inovação na
faixa de 1,1% do seu PIB. Está
no mesmo padrão de China, Índia e Rússia, mas está bem atrás
dos países mais avançados, que
tendem a investir de 2,5% a 4%.
FOLHA - Como corrigir isso?
FERNANDES - Haveria uma forma de enfrentar esse descompasso, que é abrir uma linha de
financiamento para as empresas brasileiras serem mais audaciosas no registro de patentes internacionais. Mas há uma
leitura mais profunda, que é sobre o grau efetivo de envolvimento das empresas nacionais
em relação à inovação. O levantamento do IBGE identifica
mais de 30 mil empresas inovadoras, mas, se você decompõe o
que chamam de inovação, consideram até compra de maquinaria para dentro da empresa.
Não é uma inovação de desenvolvimento de processo e produto novo para o mercado.
FOLHA - Vai ser cumprida a meta
de chegar a 1,5% do PIB em investimentos em inovação até 2010?
FERNANDES - Se não chegarmos
lá, estaremos bem perto. Se você decompuser esse 1,1%, vai
ver que 0,7% é estatal e 0,4%
empresarial. Com esse percentual, nosso investimento público já está nos padrões dos países desenvolvidos. A diferença
é que, nesses países, esse investimento público alavanca duas
ou três vezes mais de recursos
privados -o que não ocorre no
Brasil. No setor privado, as empresas precisam investir cinco
vezes mais do que o Estado.
FOLHA - Em 2007, apenas 320 empresas usaram os incentivos legais
previstos pela lei de inovação. Por
que a lei não pegou?
FERNANDES - Esses números são
específicos para a "Lei do
Bem", de 2005, posterior à de
inovação, de 2004. Não temos
os números para 2008, mas
acredito que vão registrar um
crescimento expressivo de empresas que buscaram as isenções fiscais facultadas pela lei.
FOLHA - Ainda há a mentalidade
do setor universitário de se manter
longe do mercado?
FERNANDES - Sim, mas houve
progressos significativos na última década. Nos anos 1990,
havia uma mentalidade de que
a universidade servia para produzir conhecimento público e
que qualquer tentativa de auferir vantagem particular do conhecimento gerado era uma relação promíscua com o mercado. Houve avanços, embora haja o discurso de que a universidade não pode se pautar pela
necessidade do mercado. É um
contraponto importante.
FOLHA - A Coreia do Sul chegou à
inovação e o Brasil não.
FERNANDES - Primeiro, há mais
uma questão de contexto histórico: eles não enfrentaram a
crise da dívida, pela qual passamos nos anos 1980. Nossos empresários usam o exemplo da
Coreia do Sul. Mas se esquecem
que lá os "chaebols" [grupos
econômicos] foram escolhidos
pelo Estado e tiveram sua "missão" determinada. Houve um
grau acentuado de dirigismo
estatal na montagem desse
processo. Tiveram sucesso
muito maior do que hoje seria
aceitável pela OMC [Organização Mundial do Comércio].
FOLHA - O governo brasileiro pretende dar preferência para suas
compras aos produtos desenvolvidos no país por empresas que fizeram pesquisa aqui. Como evitar
uma reserva de mercado como a dos
computadores nos anos 1980?
FERNANDES - Todos os países
centrais usam o poder de compra para alavancar a inovação.
O dilema que enfrentamos é:
pela legislação brasileira não se
pode distinguir empresa brasileira de empresa de capital nacional [que pode ter capital estrangeiro]. Se estiver instalada
no Brasil, a companhia terá
acesso a todos os instrumentos
de apoio que nós desenvolvemos. Na subvenção, qualquer
empresa que apresente projetos deverá ter seu principal
centro de pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Isso é para
evitar que nosso financiamento
possa alavancar mera compra
de tecnologia por uma empresa
instalada no país, adquirida lá
fora, e apenas maquiada aqui.
Uma segunda questão que
queremos enfrentar é a compra
de empresas aqui, por grupos
estrangeiros, nas quais investimos em desenvolvimento tecnológico, compra essa feita não
para dar continuidade ao desenvolvimento que ela já vem
fazendo no país, mas somente
para bloquear o potencial nascimento de uma concorrente
no mercado mundial. Daí a necessidade, que está na lei: se
houver essa aquisição, com interrupção do projeto de inovação, os recursos públicos investidos devem ser devolvidos.
A discussão sobre como conduzir as compras governamentais foi o que menos avançou.
Conceber comprar desenvolvimento tecnológico como parte
de compras governamentais,
que teriam um tratamento diferenciado, como a proposta
em teste na área da saúde.
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