São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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ARQUEOLOGIA

Sítio pesquisado por equipe da USP é o mais antigo do gênero e pode ajudar a explicar a ocupação do litoral

São Paulo tem sambaqui de 9.000 anos

Levy Figuti/MAE-USP
Esqueleto de 9.000 anos do sambaqui Capelinha, no sul de SP


CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Em 1988, quando o arqueólogo amador Guy Collet descobriu e datou em 10 mil anos um sambaqui à beira de um rio no Vale do Ribeira, sul de São Paulo, pouca gente deu bola. Afinal, Collet não era da área e todo mundo sabia que os mais antigos sambaquis (imensas pilhas de conchas feitas por homens pré-históricos) estavam no litoral e tinham, no máximo, 7.000 anos.
Mais de duas décadas depois, um grupo de arqueólogos da Universidade de São Paulo que estudava sambaquis fluviais resolveu escavar o local à busca de esqueletos de seus antigos habitantes. E se surpreendeu com o resultado: uma ossada descoberta ali tinha quase 9.000 anos de idade.
"Por enquanto, é o sambaqui mais antigo do Brasil", disse à Folha o arqueólogo Levy Figuti, do MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia) da USP.
A datação, feita num laboratório norte-americano com financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foi obtida no ano passado, mas ninguém fez alarde. O motivo da cautela é que o esqueleto pode bagunçar boa parte da pré-história brasileira.
Para começar, o chamado "sepultamento 2" do sambaqui Capelinha está entre os vestígios humanos mais antigos do país -e, por tabela, das Américas.
Sua idade é equivalente à dos paleoíndios de Lagoa Santa, região de Minas Gerais onde foi descoberta "Luzia", o fóssil americano mais velho (11.500 anos). E é quase a mesma do famoso homem de Kennewick, uma das ossadas humanas mais antigas dos Estados Unidos.
"Por enquanto, nos contentamos em dizer que esse é o esqueleto mais velho do Estado de São Paulo", suaviza Figuti.
O problema é que há 9.000 anos, até onde se sabe, não havia ninguém habitando a região do Vale do Ribeira, muito menos construtores de sambaqui. Os primeiros sambaquieiros conhecidos no Sul e Sudeste do Brasil começaram a empilhar suas montanhas de conchas -algumas têm mais de 20 metros de altura e 200 de diâmetro- entre 7.000 e 6.000 anos atrás, à beira-mar.
Os arqueólogos não sabem ainda se o povo que construiu o sambaqui Capelinha foi precursor dessa tradição ou herdeiro dela. Se a última hipótese estiver correta, a ocupação do litoral é pelo menos 2.000 anos mais antiga do que supunham os arqueólogos.
Essa não é a única peça do quebra-cabeças. Junto aos ossos, a equipe do MAE encontrou também restos de animais marinhos e contas de colar feitas com dentes de tubarão, um artefato típico dos sambaquis da costa.
"Isso indica que esse povo fazia incursões ao litoral ou mantinha algum tipo de contato com gente que já estivesse por lá", diz Figuti.

Procedência duvidosa
A própria identidade do esqueleto do Capelinha é um mistério. Sabe-se que se trata de um indivíduo do sexo masculino. Seus ossos são delgados em relação aos dos construtores de sambaqui da costa. Além disso, com altura entre 1,51 e 1,54 m, ele também era vários centímetros mais baixo que suas contrapartes costeiras.
"Não sabemos se ele representa um grupo do planalto que desceu para a costa ou um grupo do litoral que subiu [rumo ao interior]", diz o arqueólogo.
Talvez não seja nem uma coisa nem outra: o esqueleto do "sepultamento 2" pode simplesmente não ser representativo da população daquele local. Para tirar a dúvida, o grupo está pesquisando mais 30 sambaquis fluviais na região. Um deles, conhecido como Moraes, revelou duas dezenas de esqueletos e tem datações entre 5.000 e 6.000 anos.
Por enquanto, Figuti e seus colegas Cláudia Plens, Paulo De Blasis e Sabine Eggers apostam na hipótese de estarem diante de herdeiros dos primeiros construtores de sambaquis. Só não podem testá-la, já que não se conhece nenhum sítio tão velho no litoral.
E talvez nem se venha a conhecer tão cedo: sabe-se que o nível do mar há 9.000 anos era bem mais baixo do que é hoje. "Os sítios mais antigos provavelmente estão todos debaixo d'água", afirma o pesquisador.


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