São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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Turismo privado ajuda Rússia a se manter no espaço

Enquanto país deve ganhar exclusividade no transporte de astronautas, EUA tentam renovar frota com verba enxuta

Fabricante de videogames embarca em nave russa na madrugada de sábado para domingo (2h03) após pagar cerca de US$ 30 milhões

Sergei Remezov/Reuters
Richard Garriot (esq.), sexto turista espacial da história, e os astronautas que o acompanharão

JOHN SCHWARTZ
DO "NEW YORK TIMES"

Enquanto a Nasa se depara com a perspectiva de ficar cinco anos sem vôos de astronautas (as espaçonaves que vão substituir os ônibus espaciais estão sendo desenvolvidas só agora, com orçamento enxuto) o programa espacial russo já achou uma solução para seu problema de financiamento. A ex-União Soviética vem mostrando como liderar o caminho capitalista do turismo espacial.
Quando a nave Soyuz levar dois tripulantes para a Estação Espacial Internacional hoje, ela terá um passageiro pagante a bordo. Richard Garriott, um bem-sucedido criador de videogames, cujo pai, Owen Garriot, voou em duas missões da Nasa nos anos 1970, vai levar experimentos científicos ao espaço e documentar sua viagem na internet -tudo isso pela quantia de US$ 30 milhões.
Garriott é a sexta pessoa a se tornar o que a Nasa chama de participante de um vôo espacial -a agência espacial só usa o termo "astronauta" para pessoas recrutadas e treinadas para suas missões. Mas Garriott detesta o termo "turista espacial", disse. "Isso é muito mais que uma mera escapada."
Ele teve, costuma frisar, vários meses de treinamento e de planejamento para conseguir realizar os experimentos na estação -que envolvem crescimento de cristais de proteínas- o que poderá ajudar a pavimentar o caminho para a exploração comercial do ambiente de gravidade zero. "O espaço está virando um lugar muito valioso", disse ele, e esses experimentos são "aqueles que vão abrir a porta para isso".

Odisséia lucrativa
A Rússia, entretanto, não deverá ter o monopólio do turismo espacial para sempre. Uma empresa privada, a Virgin Galactic, planeja começar a atrair clientes para irem ao espaço nos próximos anos.
A companhia, fundada por "Sir" Richard Branson, terá uma espaçonave desenhada por Burt Rutan e baseada na SpaceShipOne, que ganhou o Prêmio X Ansari em 2004. Mais de 250 pessoas já desembolsaram a quantia de US$ 200 mil para garantir a participação neste primeiro vôo suborbital. Outras empresas, incluindo a XCOR ou a Mojave, da Califórnia, também estão preparando suas espaçonaves.
A idéia de ter pessoas pagando para irem ao espaço era revolucionária em 2001, quando Dennis Tito, um financista, voou para a Estação Espacial Internacional a bordo da nave russa Soyuz após pagar estimados US$ 20 milhões.
Até agora, cinco pessoas já compraram seus bilhetes por meio da Space Adventures, empresa que articula as viagens.
Garriott queria ter voado antes de Tito, mas um colapso em ações das empresas de internet na época diminuiu sua fortuna e o forçou a adiar o sonho. Seu interesse no espaço é antigo, e ele usou o dinheiro que ganhou fazendo softwares para comprar itens de colecionador como um protótipo do Sputnik, o primeiro satélite artificial da história. A peça é de antes de o original ser lançado pela URSS, em outubro de 1957.
O treinamento, disse Garriott, foi árduo e divertido. Ele experimentou a sensação de gravidade zero em um avião que voava traçando parábolas, e sentiu a forte força G em uma centrífuga russa. Ele e seus companheiros de vôo quase colapsaram dentro do confinamento claustrofóbico da cápsula da Soyuz ou quando tiveram que rastejar usando roupas de resgate na água -"a coisa mais difícil que já fiz", disse.

"Cosmolândia"
Eric Anderson, o executivo-chefe da Space Adventures, diz que aquilo que sua companhia faz por pessoas físicas é a mesma coisa que a Nasa faz por seus astronautas quando compra passagem para a Estação Espacial Internacional a bordo da Soyuz. "Por que os empregados do governo têm de ser os únicos a irem ao espaço?"
Por US$ 3 milhões, a Space Adventures oferece uma participação como "tripulação reserva", onde os interessados recebem todo o treinamento que os participantes do vôo vão receber -mas sem o vôo.
Outras companhias não podem levar os seus clientes para o espaço, mas tiram vantagens do fato de o Programa Espacial Russo ter dado boas vindas ao capitalismo, de braços abertos. A Mir Corp., uma empresa baseada no Estado de Washington (EUA), leva turistas para a base de Bainkour, onde podem ver os lançamentos e participar de tours em Moscou, incluindo o Centro de Treinamento de Cosmonautas Gagarin.
Doug Grimes, o fundador da Mir Corp., que trabalha no setor de turismo russo desde 1987, disse que esse pacote costuma custar aproximadamente US$ 19 mil por pessoa -o preço antes da atual crise. "Você ficaria surpreso com a quantidade de pessoas que têm dinheiro suficiente para fazer essas viagens caras atualmente", diz.
Para uma viagem agendada neste mês, que coincide com a saída da Soyuz, a empresa ofereceu um vôo com gravidade zero por US$ 5,690 por pessoa, treinamento em força centrífuga (de US$ 1,990 a 4,490), e um treinamento em trajes espaciais (US$ 4,490).
Os russos possuem um rigoroso sistema de exigências médicas para aqueles que querem participar dos testes de força centrífuga e dos treinamentos nas enormes piscinas onde as caminhadas espaciais são simuladas. "Todas as vezes, eu tenho alguém que quer ir, mas eles acabam rejeitando essa pessoa", afirma Grimes.
Se os US$ 200 mil cobrados pela Virgin Galactic é um preço que soa como sendo muito dinheiro a ser pago por alguns minutos de céu escuro e ausência de gravidade, Anderson afirma: "Quem poderia acreditar que há 10 anos existiam pessoas interessadas em pagar US$ 35 milhões por isso".
Nesta segunda-feira, por falar nisso, a Space Adventures anuncia que o seu quinto cliente irá entrar em órbita. Charles Simonyi comprou sua segunda passagem para o espaço.


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