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Perda de DNA faz célula se "especializar"
Falta ou sobra de cromossomos parecem ser típicas da transformação de células-tronco em neurônios, mostra pesquisa
Grupo da UFRJ propõe que
fenômeno pode ter relação
com complexidade cerebral
e variabilidade do órgão
vista de pessoa para pessoa
Roberto Price - 01.jun.2008/Folha Imagem
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Stevens Rehen com imagem de células-tronco na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL AO RECIFE
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Ninguém imaginaria que arrancar pedaços substanciais do
DNA das células pudesse ser
importante para a correta estruturação do cérebro, mas é
justamente isso que o trabalho
de pesquisadores da UFRJ
(Universidade Federal do Rio
de Janeiro) anda demonstrando. A degola de material genético parece estar ligada à divisão
de tarefas nos muitos tipos de
células do sistema nervoso.
Ainda é difícil afirmar exatamente o que os achados significam, mas Stevens Rehen, Bruna Paulsen e seus colegas da
UFRJ já flagraram o fenômeno
estudando dois tipos diferentes
de células-tronco, as embrionárias (como o nome diz,
oriundas de embriões no estágio inicial de seu desenvolvimento) e as iPS (células adultas
que, manipuladas em laboratório, retornam a um estado que
lembra muito o embrionário).
A alteração detectada pela
equipe é conhecida como aneuploidia, forma indigesta de dizer que as células ditas aneuploides possuem um número
irregular de cromossomos, as
estruturas parecidas com carretéis que carregam o DNA.
Como regra geral, toda célula
do corpo humano deveria carregar 23 pares de cromossomos. Cada membro do par é
"doado" respectivamente pelo
pai e pela mãe aos filhos. A
aneuploidia consiste na presença de pares "mancos", sem
um dos membros, ou "excessivos", formados por trios, por
exemplo. Há doenças importantes ligadas à aneuploidia,
como a síndrome de Down (cujos efeitos, aliás, vão muito
além do desenvolvimento
mental do portador).
Lado bom
A hipótese de trabalho de Rehen e companhia, no entanto,
reabilita parcialmente o número irregular de cromossomos.
"A aneuploidia também pode
funcionar para o bem, para
moldar o cérebro de uma forma
única", afirma o pesquisador,
que foi o primeiro a detectar o
fenômeno no sistema nervoso,
em pesquisa de 2001. Até 30%
dos neurônios do córtex (a área
mais desenvolvida e complexa
do cérebro em seres humanos)
podem ser aneuploides.
Mais recentemente, Rehen
topou outra vez com a aneuploidia ao estudar como as células-tronco embrionárias, responsáveis por construir todo o
organismo humano, passam
pelo processo de diferenciação
(especialização) que as transforma em neurônios. A surpresa é que, quando viram neurônios, as células também perdem cromossomos. Coincidência ou relação de causa e efeito?
"Chegamos a pensar que a
aneuploidia poderia ser efeito
do ácido retinoico [substância
empregada para induzir as células a se especializar]", diz Rehen. Não era, a julgar por experimentos posteriores. O mesmo fenômeno foi verificado enquanto as células iPS, também
com propriedades embrionárias, foram "convencidas" a virar neurônios, afirma ele.
Os pesquisadores ainda estão
longe de bater o martelo em relação a esse paradoxo. A próxima fase dos experimentos deve
envolver o caminho oposto: em
vez de induzir especialização
celular e observar aneuploidia,
Rehen e companhia planejam
arrancar cromossomos das células e ver se isso as ajuda a se
diferenciar em neurônios.
Ainda é cedo para dizer aonde essas pistas conduzem, mas
não é impossível que a aneuploidia esteja ligada à grande
complexidade celular do cérebro, que está repleto de neurônios de todos os tipos e especialidades. E talvez ajude a elucidar por que, afinal, nenhuma
cabeça pensa igual à outra.
"Ele poderá até ajudar a explicar a diferença que existe entre o comportamento de gêmeos idênticos, por exemplo",
diz Rehen. A alteração nos cromossomos introduziria um elemento de inesperado no processo que leva à maturação do
cérebro ao longo da vida.
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