São Paulo, segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Próximo Texto | Índice

Perda de DNA faz célula se "especializar"

Falta ou sobra de cromossomos parecem ser típicas da transformação de células-tronco em neurônios, mostra pesquisa

Grupo da UFRJ propõe que fenômeno pode ter relação com complexidade cerebral e variabilidade do órgão vista de pessoa para pessoa


Roberto Price - 01.jun.2008/Folha Imagem
Stevens Rehen com imagem de células-tronco na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL AO RECIFE
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ninguém imaginaria que arrancar pedaços substanciais do DNA das células pudesse ser importante para a correta estruturação do cérebro, mas é justamente isso que o trabalho de pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) anda demonstrando. A degola de material genético parece estar ligada à divisão de tarefas nos muitos tipos de células do sistema nervoso.
Ainda é difícil afirmar exatamente o que os achados significam, mas Stevens Rehen, Bruna Paulsen e seus colegas da UFRJ já flagraram o fenômeno estudando dois tipos diferentes de células-tronco, as embrionárias (como o nome diz, oriundas de embriões no estágio inicial de seu desenvolvimento) e as iPS (células adultas que, manipuladas em laboratório, retornam a um estado que lembra muito o embrionário).
A alteração detectada pela equipe é conhecida como aneuploidia, forma indigesta de dizer que as células ditas aneuploides possuem um número irregular de cromossomos, as estruturas parecidas com carretéis que carregam o DNA.
Como regra geral, toda célula do corpo humano deveria carregar 23 pares de cromossomos. Cada membro do par é "doado" respectivamente pelo pai e pela mãe aos filhos. A aneuploidia consiste na presença de pares "mancos", sem um dos membros, ou "excessivos", formados por trios, por exemplo. Há doenças importantes ligadas à aneuploidia, como a síndrome de Down (cujos efeitos, aliás, vão muito além do desenvolvimento mental do portador).

Lado bom
A hipótese de trabalho de Rehen e companhia, no entanto, reabilita parcialmente o número irregular de cromossomos. "A aneuploidia também pode funcionar para o bem, para moldar o cérebro de uma forma única", afirma o pesquisador, que foi o primeiro a detectar o fenômeno no sistema nervoso, em pesquisa de 2001. Até 30% dos neurônios do córtex (a área mais desenvolvida e complexa do cérebro em seres humanos) podem ser aneuploides.
Mais recentemente, Rehen topou outra vez com a aneuploidia ao estudar como as células-tronco embrionárias, responsáveis por construir todo o organismo humano, passam pelo processo de diferenciação (especialização) que as transforma em neurônios. A surpresa é que, quando viram neurônios, as células também perdem cromossomos. Coincidência ou relação de causa e efeito?
"Chegamos a pensar que a aneuploidia poderia ser efeito do ácido retinoico [substância empregada para induzir as células a se especializar]", diz Rehen. Não era, a julgar por experimentos posteriores. O mesmo fenômeno foi verificado enquanto as células iPS, também com propriedades embrionárias, foram "convencidas" a virar neurônios, afirma ele.
Os pesquisadores ainda estão longe de bater o martelo em relação a esse paradoxo. A próxima fase dos experimentos deve envolver o caminho oposto: em vez de induzir especialização celular e observar aneuploidia, Rehen e companhia planejam arrancar cromossomos das células e ver se isso as ajuda a se diferenciar em neurônios.
Ainda é cedo para dizer aonde essas pistas conduzem, mas não é impossível que a aneuploidia esteja ligada à grande complexidade celular do cérebro, que está repleto de neurônios de todos os tipos e especialidades. E talvez ajude a elucidar por que, afinal, nenhuma cabeça pensa igual à outra.
"Ele poderá até ajudar a explicar a diferença que existe entre o comportamento de gêmeos idênticos, por exemplo", diz Rehen. A alteração nos cromossomos introduziria um elemento de inesperado no processo que leva à maturação do cérebro ao longo da vida.


Próximo Texto: DNA saltador também pode forjar órgão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.