São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002

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FÍSICA

Teste confirma que análogo de partícula elementar "fantasma" possui massa, exigindo revisão de teoria fundamental

Vôo de antineutrino abala Modelo Padrão

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa velha mina japonesa encravada sob um quilômetro de rocha, um grupo internacional de cientistas acaba de colocar o ponto final numa questão que atormenta os físicos há décadas: definitivamente, o neutrino tem massa. Eles sustentam, ainda, que nunca mais será a mesma a teoria que lista os tijolos básicos do Universo, o Modelo Padrão.
Teorizada nos anos 1930, essa partícula foi concebida para explicar um estranho processo de decaimento radiativo. Os primeiros traços de sua existência, entretanto, só começaram a surgir nos anos 1950. E, no ano passado, um grupo do Observatório de Neutrinos de Sudbury, Canadá, obteve forte evidência de que os neutrinos, além de existir, têm massa.
Na ocasião, eles haviam detectado os neutrinos solares, gerados pela fusão dos átomos de hidrogênio que alimenta a estrela. E concluíram que parte deles passava por uma estranha transformação no caminho entre o Sol e a Terra.
Segundo a mais consagrada teoria de partículas, o Modelo Padrão, há três tipos de neutrino. E, embora a teoria não falasse sobre sua massa, os cientistas desde o início vinham presumindo que fosse nula, o que foi incorporado ao modelo.
Os resultados do ano passado ainda davam margem a dúvidas. Confirmavam que os neutrinos mudam de tipo durante a viagem, mas não era possível dizer com certeza que havia mudança -e portanto existência- de massa.
"No ano passado, outros fatores que não a massa poderiam estar causando a alteração", afirma Orlando Peres, da Unicamp. "Mas agora não tem mais escapatória."
Giorgio Gratta, físico italiano da Universidade Stanford (EUA) e do Kamland, detector que permitiu o experimento, faz uma analogia para explicar a diferença entre os resultados do ano passado e os deste ano. "Você pode pensar em alguém olhando para uma estrela com um espectrógrafo. Essa pessoa iria notar claras linha espectrais, e então a comunidade iria discutir se elas são uma propriedade da estrela ou uma propriedade mais geral dos átomos."
"Após muitas observações, eles iriam concluir que, muito provavelmente, a segunda opção é a correta. Mas então alguém no laboratório faz uma lâmpada e olha para ela com um espectrômetro, descobrindo as mesmas linhas. Só agora eles podem dizer que, definitivamente, essa não é uma propriedade das estrelas. Isso é exatamente o que nós fizemos."
O trabalho foi submetido para publicação na prestigiada revista "Physical Review Letters" (http://prl.aps.org).

Batendo o martelo
O resultado foi muito mais definitivo em razão da proximidade com a fonte geradora de neutrinos -reatores de fissão nuclear a apenas 180 km do detector. Na verdade, durante a quebra dos átomos, há emissão de antineutrinos (partículas análogas dos neutrinos, feitas de antimatéria), mas suas propriedades equivalem às dos neutrinos convencionais.
A essa altura, dizer que o neutrino tem massa equivale a enviar os cientistas de volta às mesas, para recalcular muito do que julgavam resolvido no Modelo Padrão.
Peres acha que é uma boa chance para novas teorias, como as famosas supersimetria e supercordas, provarem que são o futuro da física, prevendo as estranhas propriedades dos neutrinos mutantes e maciços. Mas Gratta, ecoando Mark Twain, sugere que os rumores sobre a morte da velha teoria foram muito exagerados.
"Na verdade, as pessoas não são completamente honestas quando dizem que o Modelo Padrão está em perigo", diz. "O modelo não sabe nada de massas de neutrino. As massas são um parâmetro que ele não prevê. Ele está pronto a "aceitar" qualquer número para a massa do neutrino, assim como aceitaria um novo valor para, digamos, a massa do elétron, se alguém a medisse melhor."
Não tão depressa, porém. "A única diferença, e é importante, é que uma massa zero, como a que estava codificada no Modelo Padrão, é muito diferente de uma massa pequena, mas finita. Então, haverá muito que mudar no modelo, e essas mudanças estão ligadas a comportamentos em altas energias. Isso é tudo muito importante e legal, mas o Modelo Padrão realmente não está nem aí para que massa nós obtivemos."
Ponto final? "Acho que, na verdade, isso acabou de começar", diz Gratta. "Só descobrimos que a massa é diferente de zero."


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