|
Próximo Texto | Índice
FÍSICA
Teste confirma que análogo de partícula elementar "fantasma" possui massa, exigindo revisão de teoria fundamental
Vôo de antineutrino abala Modelo Padrão
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Numa velha mina japonesa encravada sob um quilômetro de rocha, um grupo internacional de
cientistas acaba de colocar o ponto final numa questão que atormenta os físicos há décadas: definitivamente, o neutrino tem massa. Eles sustentam, ainda, que
nunca mais será a mesma a teoria
que lista os tijolos básicos do Universo, o Modelo Padrão.
Teorizada nos anos 1930, essa
partícula foi concebida para explicar um estranho processo de decaimento radiativo. Os primeiros
traços de sua existência, entretanto, só começaram a surgir nos
anos 1950. E, no ano passado, um
grupo do Observatório de Neutrinos de Sudbury, Canadá, obteve
forte evidência de que os neutrinos, além de existir, têm massa.
Na ocasião, eles haviam detectado os neutrinos solares, gerados
pela fusão dos átomos de hidrogênio que alimenta a estrela. E concluíram que parte deles passava
por uma estranha transformação
no caminho entre o Sol e a Terra.
Segundo a mais consagrada teoria de partículas, o Modelo Padrão, há três tipos de neutrino. E, embora a
teoria não falasse sobre sua massa, os cientistas desde o início vinham presumindo que fosse nula,
o que foi incorporado ao modelo.
Os resultados do ano passado
ainda davam margem a dúvidas.
Confirmavam que os neutrinos
mudam de tipo durante a viagem,
mas não era possível dizer com
certeza que havia mudança -e
portanto existência- de massa.
"No ano passado, outros fatores
que não a massa poderiam estar
causando a alteração", afirma Orlando Peres, da Unicamp. "Mas
agora não tem mais escapatória."
Giorgio Gratta, físico italiano da
Universidade Stanford (EUA) e
do Kamland, detector que permitiu o experimento, faz uma analogia para explicar a diferença entre
os resultados do ano passado e os
deste ano. "Você pode pensar em
alguém olhando para uma estrela
com um espectrógrafo. Essa pessoa iria notar claras linha espectrais, e então a comunidade iria
discutir se elas são uma propriedade da estrela ou uma propriedade mais geral dos átomos."
"Após muitas observações, eles
iriam concluir que, muito provavelmente, a segunda opção é a
correta. Mas então alguém no laboratório faz uma lâmpada e olha
para ela com um espectrômetro,
descobrindo as mesmas linhas. Só
agora eles podem dizer que, definitivamente, essa não é uma propriedade das estrelas. Isso é exatamente o que nós fizemos."
O trabalho foi submetido para
publicação na prestigiada revista
"Physical Review Letters" (http://prl.aps.org).
Batendo o martelo
O resultado foi muito mais definitivo em razão da proximidade
com a fonte geradora de neutrinos -reatores de fissão nuclear a
apenas 180 km do detector. Na
verdade, durante a quebra dos
átomos, há emissão de antineutrinos (partículas análogas dos neutrinos, feitas de antimatéria), mas
suas propriedades equivalem às
dos neutrinos convencionais.
A essa altura, dizer que o neutrino tem massa equivale a enviar os
cientistas de volta às mesas, para
recalcular muito do que julgavam
resolvido no Modelo Padrão.
Peres acha que é uma boa chance para novas teorias, como as famosas supersimetria e supercordas, provarem que são o futuro da
física, prevendo as estranhas propriedades dos neutrinos mutantes e maciços. Mas Gratta, ecoando Mark Twain, sugere que os rumores sobre a morte da velha teoria foram muito exagerados.
"Na verdade, as pessoas não são
completamente honestas quando
dizem que o Modelo Padrão está
em perigo", diz. "O modelo não
sabe nada de massas de neutrino.
As massas são um parâmetro que
ele não prevê. Ele está pronto a
"aceitar" qualquer número para a
massa do neutrino, assim como
aceitaria um novo valor para, digamos, a massa do elétron, se alguém a medisse melhor."
Não tão depressa, porém. "A
única diferença, e é importante, é
que uma massa zero, como a que
estava codificada no Modelo Padrão, é muito diferente de uma
massa pequena, mas finita. Então,
haverá muito que mudar no modelo, e essas mudanças estão ligadas a comportamentos em altas
energias. Isso é tudo muito importante e legal, mas o Modelo
Padrão realmente não está nem aí
para que massa nós obtivemos."
Ponto final? "Acho que, na verdade, isso acabou de começar",
diz Gratta. "Só descobrimos que a
massa é diferente de zero."
Próximo Texto: Panorâmica - Clima: Ano de 2002 é o segundo mais quente da história, diz organização ambientalista Índice
|