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ENTREVISTA
RAÚL ESTRADA OYUELA
Posição brasileira sobre o clima é inexplicável
Diplomata argentino que arquitetou o Protocolo de Kyoto há dez anos diz que as negociações em Bali são "irracionais"
O NTEM, NO DIA EM que o Protocolo de
Kyoto completou dez anos, o "pai" do
acordo do clima, o diplomata argentino
Raúl Estrada Oyuela, 69, manifestou pouco otimismo com o progresso das negociações em Bali
rumo ao futuro do regime. Ele disse que as discussões
estão "irracionais", para em seguida complementar:
"não conseguiria explicá-las à minha mulher". Ele pediu ainda comprometimento de todos os países.
Efe
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Ativistas vestidos de pingüins fazem protesto em Bali |
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BALI
Em entrevista concedida à
Folha -minutos antes de um
bolo com os dizeres "Feliz Aniversário, Kyoto!" ser cortado-,
Estrada disse que há muito a
comemorar. A celebração se
deve ao ganho político representado pelo tratado e aos mecanismos de mercado colocados em prática por Kyoto.
Mas afirmou que a conferência de Bali pode acabar produzindo pouco mais que um calendário de reuniões. Dificilmente, afirma, um substituto
de Kyoto será acordado em
2009, como quer a ONU.
Diplomata de carreira, Estrada já serviu em Washington,
Brasília, Santiago e Pequim. Foi
o chefe do comitê que há 12
anos estabeleceu o Mandato de
Berlim, instrumento que baseou o acordo de Kyoto. É considerado o principal arquiteto
da negociação que resultou no
tratado. Depois, foi o negociador-chefe argentino em mudança climática, até ser demitido em 2006 pelo presidente
Néstor Kirchner após criticar o
Ministério do Ambiente.
FOLHA - Como o sr. avalia a negociação em Bali?
RAÚL ESTRADA OYUELA - Até o final
da semana passada, eu estava
um pouco mais otimista. Agora
a coisa complicou. Fora da
União Européia, os países desenvolvidos estão renitentes
quanto a cumprir os compromissos do Protocolo de Kyoto e
sobretudo a renová-los com
maior profundidade. Por outro
lado, os países em desenvolvimento mantêm o mesmo tipo
de discurso de 20 anos atrás, e
que deve ser atualizado. Não é
possível que a China, país que
tem em seu poder a maior proporção de títulos da dívida pública americana, peça assistência financeira. Nem que, como
grande exportador de produtos
de altíssima tecnologia, peça
assistência tecnológica. Aí você
se dá conta de que os grandes
países em desenvolvimento,
que têm de fato um peso grande
nos temas globais, não assumem responsabilidades específicas. China, Índia, Brasil, Malásia, Indonésia, Coréia do Sul,
África do Sul e México têm sido
chamados a todas as grandes
reuniões onde se tomam decisões importantes. Isso implica
uma responsabilidade que não
pode ser ignorada.
FOLHA - Esses países dizem: "não
negamos que temos responsabilidades, e as cumpriremos, mas..."
ESTRADA - Depois dos outros.
Isso já não tem razão. É uma
desculpa. Não se pode ter Índia
e China dizendo que não farão
o que precisam se os EUA não
fizerem primeiro e os EUA dizendo que não farão se a Índia e
a China não fizerem primeiro.
Tem de haver um acordo onde
todos se comprometam. Se
quer um acordo onde todos se
comprometam, o Brasil deve se
comprometer.
FOLHA - E é possível que venha a
acontecer? Porque a negociação
agora está em dois trilhos separados, o da Convenção do Clima, que
define compromissos voluntários, e
o do Protocolo de Kyoto, que trata
de metas obrigatórias...
ESTRADA - Isso é uma ficção.
Nenhuma pessoa normal no
mundo, além de nós, pervertidos que participamos disto [da
negociação internacional de
clima], pode entender que essas coisas estejam separadas.
Porque, para as pessoas, estamos falando do mesmo assunto. Há um protocolo que está
em vigor há três anos e que se
começa a aplicar em 1º de janeiro do ano que vem. Esse protocolo tem disposições para o
próximo período de compromisso, que pode perfeitamente
estar limitado aos mesmos países que já entraram no primeiro período de compromisso,
mas tem também outras disposições. Tem o artigo 9, que permite revisá-lo e ampliá-lo, e isso pode fazer com que outros
países se incorporem a um
compromisso efetivo, e o artigo
5, que permite ajustar os critérios pelos quais se faz a limitação de emissões. É perfeitamente possível que, no contexto do protocolo, no artigo 10, se
coloque um tipo de compromisso que não tenha vinculação com um topo, porque isso é
visto pelos países em desenvolvimento como um limite ao
crescimento. Mas sim como
uma meta de eficiência a alcançar. Uma meta de conservação
de florestas nativas, por exemplo. Mas, neste momento, a
conversa é: "eu não me mexo
até que você faça algo" e o outro
lado diz exatamente o mesmo.
FOLHA - A tendência é que conferência caminhe para isso?
ESTRADA - Até agora sim. Pode
ser que, com a chegada de ministros de delegações que têm
tido posições muito duras, se
faça algumas concessões. É
uma tática de negociação: manda-se primeiro a segunda fila
para provocar situações de rigidez, depois o chefe da delegação chega e faz uma concessão.
Pequena, mas como é uma concessão, é comemorada (risos).
FOLHA - E como o sr. enxerga a posição do Brasil, que insiste em deixar
os dois trilhos separados?
ESTRADA - Me parece que essa
posição é impossível de explicar às pessoas comuns. Eu tenho um ponto de referência:
quando estou trabalhando
num tema desse tipo, sinto que
estou bem orientado se consigo
explicá-lo bem à minha mulher. Mas se quando explico, ela
diz: "Olha, isso não está direito", é que ninguém vai entender por quê.
FOLHA - Esse procedimento, então,
não lhe parece certo.
ESTRADA - Não. Pode-se até
usá-lo, mas precisa estar acompanhado de uma decisão efetiva de adotar compromissos.
FOLHA - O Brasil disse que terá
compromissos verificáveis...
ESTRADA - E qual será esse compromisso? Não me foi dito. Há
uma quantidade enorme de
medidas de mitigação que os
países em desenvolvimento podem adotar sem comprometer
seu crescimento. Por exemplo:
eficiência energética. Muitas
dessas medidas o Brasil já tem.
Mas o transporte no Brasil, como na Argentina, é maciçamente rodoviário. Isso é ambientalmente irracional. Podemos produzir motores elétricos
eficientes para a indústria.
FOLHA - Se o sr. desenhasse o processo de negociação, como faria?
ESTRADA - Eu juntaria as cabeças dos países mais importantes, que foi o que eu fiz em Kyoto. É preciso buscar representações válidas em cada grupo e
encontrar a linha de fundo para
o compromisso. Eu não vejo isso acontecer agora. O que há
são reuniões muito grandes,
com 80 pessoas, onde não se
negocia nada, porque todo
mundo só quer ser ouvido. Eu
não vejo que nesta conferência
haja o tipo de liderança que é
preciso ter. Também não sei se
é boa idéia que o "mapa do caminho" seja fixado pelo presidente da conferência, como ele
vem dizendo, porque o "mapa
do caminho" precisa refletir o
entendimento. Neste caso, o
que vamos ter não será um mapa do caminho significativo,
mas um calendário do que deverá acontecer em cada etapa.
Mas faz falta algo como o Mandato de Berlim: com um calendário e um conteúdo a cumprir.
O Protocolo de Kyoto foi feito
sob medida para os EUA. E agora eles não gostam da palavra
Kyoto: vamos mudá-la, então,
para Bethesda ou qualquer nome próximo a Washington. Essa situação é lamentável.
FOLHA - A data-limite de 2009 lhe
parece realista?
ESTRADA - É difícil porque não
sei como os EUA chegarão lá. O
novo governo assume em janeiro [de 2009], tem uma prioridade econômica grande, tem o
problema do Iraque. Não sei se
o clima é a terceira ou a quarta
prioridade da lista. Para tomar
uma decisão em dezembro de
2009 seria preciso conhecer a
posição dos EUA quatro meses
antes. A idéia de fechar 2009 é
porque a conferência se realiza
na Dinamarca. A seguinte será
na América Latina. Bom, poderíamos ter um Protocolo do Rio
de Janeiro...
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